São Paulo, Domingo, 14 de Fevereiro de 1999
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PONTO DE FUGA

Maria, a sanguinária

JORGE COLI
em Nova York

A "Fosca", de Carlos Gomes (1836-1896), na sua estréia, teve um público indiferente e uma crítica que reconhecia os grandes méritos dessa música notável. "Salvator Rosa" atingiu um triunfo unânime, estrepitoso, em todos os jornais e platéias da Itália. "Maria Tudor" obteve uma outra, triste, unanimidade: um completo fracasso. Os críticos da época interrogavam-se, perplexos, sobre o que teria levado o compositor brasileiro a enganar-se tanto nessa nova obra. Eles sabiam do que falavam: "Maria Tudor" inicia-se de modo muito elevado e termina esplendidamente. Mas, entre esses dois extremos, há muita travessia de árido deserto, em que a inspiração falha, as fórmulas banais predominam e o resultado é laborioso. Deve-se saudar, por isso, a coragem do projeto Carlos Gomes, levado adiante pelo banco Sudameris, em escolher, depois de "Il Guarany" e de "Fosca", esta malsinada "Maria Tudor", para ser montada, gravada em vídeo e em CD. Com seus defeitos, a ópera traz um fortíssimo papel feminino, interpretado de modo eletrizante por Eliane Coelho, e, com suas falhas, muita excelente música. A regência de Luiz Fernando Malheiro é iluminadora, ardente, sabendo evitar os escolhos mais graves, dominando as nuanças e o sentido geral, e afirmando-o naquilo que ele é, um grande maestro, de primeira água. "Maria Tudor" faz esperar, com mais ansiedade, a sequência do projeto, que deverá trazer a música maior de "Salvator Rosa" e do "Schiavo".

SENÕES - O projeto Carlos Gomes, do banco Sudameris, ao qual veio se atrelar a Funarte, é inestimável. Ele está permitindo que a obra de Carlos Gomes seja dignamente registrada no som e na imagem. É um fato essencial para sair das louvações supérfluas e inúteis, que sempre cercaram o compositor, e ir ao que interessa: sua música. A parceria com a Funarte permite que instituições públicas tenham acesso a esse material, uma evidente boa coisa. Mas o projeto foi concebido como fazem as grandes empresas: um brinde, de qualidade cultural elevada, para seus clientes melhores. Isso exclui a grande maioria dos realmente interessados pela música de Gomes. Mais ainda, como os CD não vão para o comércio, eles também não são distribuídos no exterior, o que é lamentável para a divulgação dessa obra. Um outro ponto: com o CD, vem o libreto italiano de "Maria Tudor", acompanhado por uma "tradução" que conhece pouco de italiano e ignora bastante o português. Há também versões em inglês e em espanhol que não partiram do original, mas do "português" disparatado. Um pouco de cuidado poderia evitar essa nota desafinada.

TÉDIO - A "Metropolitan Opera House", de Nova York, quase todos os dias oferece um espetáculo. O nível é alto, está claro, mas há, por vezes, um inevitável tom de rotina. Regências sem empenho, cantores que perderam a voz, e a música mais exaltada se transforma em bocejo. A atual "Aida", cuja produção é imensamente kitsch, reuniu um elenco da mais espantosa mediocridade. Salvou-se Placido Domingo, como maestro, ao recuperar, como pôde, as grandiosas belezas criadas por Verdi.

ASCENSÃO - Rebecca Evans nasceu no País de Gales. Jovem soprano, veio a Nova York cantar o pequeno papel de Sophie no atual "Werther", apresentado na "Met". Deu também um recital de melodias, em que interpretou Purcell, Mozart, Ravel, Respighi e canções de seu país. Terminou de gravar um CD. No recital, sua voz revelou-se plenamente, matizada, mas poderosa, dominada por emotiva musicalidade. Faz pensar em Bidú Sayão, com um timbre mais dourado e mais mordente.



Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com




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