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LIVROS
Augusto de Campos reúne artigos sobre os principais compositores do século 20
Vanguardas sonoras
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
Augusto de Campos parte de
uma constatação intrigante: o século 20 adaptou-se com relativa
facilidade aos critérios necessários
para entender uma tela de Mondrian ou um poema de Ezra
Pound. Não fez o mesmo, no entanto, com a música de Webern,
Boulez ou Cage, equivalentes, na
linguagem sonora, desse grupo de
artistas revolucionários que o ensaísta qualifica muito propriamente de "inventores".
A coletânea de ensaios "Música
de Invenção" é um passeio ao
mesmo tempo indignado e instrutivo pela produção desse grupo de
criadores de novas estruturas da
sonoridade. Os textos de Augusto
de Campos não são inéditos. Muitos foram originariamente publicados pelo Mais!. Reunidos numa
só brochura, entretanto, eles enriquecem com uma visão unitária
esse conjunto da vanguarda artística, praticamente ignorada pelo
mercado discográfico e quase ausente das salas de concerto.
Augusto de Campos, e é um de
seus atrativos, nada tem da frigidez acadêmica. É um crítico apaixonado, de um engajamento partícipe -é autor da tradução para o
português do ciclo de poemas em
cima dos quais Arnold Schoenberg compôs "Pierrot Lunaire".
Pontos como esse no currículo
lhe dão autoridade para eventualmente disparar contra Mário de
Andrade, Otto Maria Carpeaux ou
Camargo Guarnieri, que, a seu
ver, se perderam em atalhos e se
afastaram do essencial.
Uma essencialidade, em verdade, difusa. Bartok, Virgil Thomson, Charles Ruggles, Varèse ou
Stravinski não foram compositores que convergiram para formas
semelhantes de estruturação do
som. Mas é como se, a partir dessa
diversidade, existisse em comum
um projeto estético vagamente
fincado na idéia de modernidade,
com suas sucessivas ondas de renovação que o pós-modernismo
-e Augusto de Campos não entra
nessa discussão- esterilizou.
Alguns dos compositores se destacam pela frequência de aparição
e por uma certa reverência que o
autor dos ensaios lhes devota. É o
caso de Eric Satie e Anton Webern.
Para os medianamente iniciados, Satie é um nome em que se
concentram iconoclastias diversas, por sua permeabilidade ao dadaísmo e ao exotismo no título de
algumas de suas peças ("Prelúdios Flácidos para um Cão"). Mas
Augusto de Campos não se detém
em constatações de formalismos
musicais ao trazer à tona de seu
texto esse fascinante personagem.
Ele também o deixa falar. "Ravel
recusa a Legião de Honra, mas toda a sua obra a aceita", disse ele
sobre seu mais ilustre contemporâneo musical. Ou ainda: "Não
basta recusar a Legião de Honra, o
essencial é não merecê-la".
Em outro momento sobre o
compositor francês, Augusto de
Campos afasta-se prudentemente
da visão estereotipada do gênio
tardiamente compreendido. Dá a
palavra a outro vanguardista, o
norte-americano John Cage, que
em 1948 afirmara em conferência,
no Black Mountain College, que
Webern e Satie estavam certos, e
quem estava errado era Beethoven, cuja influência tinha sido nefasta para a música.
É também verdade que Cage foi,
a seu modo, uma espécie de dadaísta tardio, com a música por
vezes concebida de forma a pôr em
pé de igualdade a produção de
sons e a histriônica mise-en-scène
necessária para produzi-los.
Mas há ainda Webern. Um dos
textos de Augusto de Campos intitula-se, sem maior pudor, "Ouvir
Webern e Morrer". O livro opera
um recorte na identidade artística
do compositor, dissociando-o dos
atonalistas de Viena com os quais
nasceu e aos quais permaneceu
umbilicalmente associado.
Webern é a extrema condensação inventiva, com apenas 31
obras produzidas em 37 anos de
vida criativa, todas elas passíveis
de serem percorridas em somente
três horas de audição. Se foi, a
exemplo de Alban Berg, também
discípulo de Schoenberg, foi mais
com a geração do pós-Guerra -a
partir do curso de harmonia dado
em Paris por Olivier Messiaen-
que dois dos mais brilhantes integrantes do grupo, Boulez e Stockhausen, enxergaram em Webern
a plataforma a partir da qual poderiam dar novos passos.
Há por fim em "Música de Invenção" comentários discográficos a quente, com uma cuidadosa
comparação entre versões de diferentes intérpretes. Há ainda uma
tentativa de historicizar no Brasil o
repertório tratado, datando primeiras audições, recenseando os
primeiros intérpretes e por vezes
notando a reação do público.
Trata-se, em suma, de um conjunto de textos de temperatura
elevada, uma espécie de sucessão
de panfletos apaixonados em que
a defesa dos compositores se abastece de uma sempre invejável erudição. É um livro que estimula a
pulsão de encomendar uma batelada inicial de uma dúzia de CDs
para recuperar o tempo que, para
a arte, nunca está definitivamente
perdido.
A OBRA
Música de Invenção - Augusto de Campos. Ed. Perspectiva (av. Brigadeiro Luís Antônio, 3.025, CEP 01401-000, SP, tel. 011/885-8388). 274 págs. R$ 30,00.
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