São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009

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Armação ilimitada

"Histórias de Vodu" discute as teorias conspiratórias, como a morte de JFK

AMOL RAJAN

Amaioria dos estudiosos de história sabe que o futuro não existe; existem futuros, no plural, e a tarefa do historiador é estudar o ontem, compará-lo ao hoje e, assim, chegar a uma descrição plausível do amanhã.
Os acontecimentos nem sempre são determinados, no sentido mais amplo do termo.
As coisas acontecem, simplesmente. A vida é aleatória e injusta, e ninguém controla seu destino por inteiro. Não apenas você pode ser atropelado por um ônibus amanhã como o fato pode ser essa coisa tão pouco em voga: um acidente.
Essa perspectiva é inaceitável, não apenas para algumas pessoas, mas para a maioria de nós, fato que ajuda a explicar a força duradoura das crenças religiosas em sociedades cada vez mais dependentes do conhecimento científico. O anseio por sentido nos domina, e por isso inventamos relações entre fatos que, na realidade, não estão interligados.
É essa, pelo menos, a abordagem adotada pelo teórico da conspiração. As teorias conspiratórias são presença constante na cultura ocidental há séculos, mas no século 20 elas floresceram como nunca.
O maior dos méritos de "Voodoo Histories", de David Aaronovitch [Histórias de Vodu, Jonathan Cape, 368 págs., 17,99, R$ 57], baseado em argumentos forenses e tendo como subtítulo "O Papel da Teoria da Conspiração na Moldagem da História Moderna", é o fato de o material que emprega como fonte ser tão fascinante.
O problema é que a verdade continua a ser verdadeira, mesmo quando é entediante. Tome-se o caso do assassinato do presidente John Kennedy, em 22 de novembro de 1963. Teóricos conspiratórios indagam como Lee Harvey Oswald poderia ter disparado dois de três tiros sobre seu alvo em 5,6 segundos.
Eles olham as posições controversas assumidas por Kennedy em relação a Cuba e ao Vietnã e para as ditas diferenças entre a CIA e o Salão Oval.

Verdade maçante
Observam que Robert Kennedy, outro democrata jovem e belo, também morreu assassinado. Consideram peculiar que Oswald tenha morrido antes de chegar ao tribunal. Tudo isso deve ter uma explicação.
Exceto pela verdade maçante. Na realidade, Oswald teve 7,1 segundos (não 5,6) para acertar um alvo que se movia ao longo de sua linha de visão telescópica, não através dela. E era um atirador experiente. Esses fatos, por si sós, derrubam dois dos argumentos centrais da "indústria" conspiratória que cresceu e floresceu após a morte de JFK.
Outras teorias conspiratórias também se chocam com objeções práticas enfadonhas.
Diana não estava grávida de um feto muçulmano, e seu motorista estava embriagado.
George W. Bush realmente não fez um pacto com o Taleban para criar um pretexto para a tomada do petróleo iraquiano, passando pelos ataques terroristas do 11 de Setembro. De maneira semelhante, Robert Kennedy não "mandou inserir um supositório envenenado em Marilyn Monroe".
Aaronovitch deveria ter tido a coragem de admitir que, como defensor da Guerra do Iraque mais recente, também ele se deixou convencer por uma teoria conspiratória, relativa à existência de armas de destruição em massa.

Ilusão
Mesmo assim, ele prestou um serviço público admirável. Constatamos que a história não acontece por algum motivo. O destino é fantasia. Acontecimentos sem sentido podem nos entristecer, mas "c'est la vie". Não poderemos nos preparar para o amanhã se, às custas da paranoia, tentarmos reconstruir o ontem como ilusão.


A íntegra deste texto saiu no "Independent".
Tradução de Clara Allain.


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