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Cenas da intimidade
da Reportagem Local
Percorrer com os olhos uma boa
sequência de autógrafos provoca
algo semelhante ao prazer perverso do voyeurismo: seus autores
são por nós surpreendidos em
momentos de intimidade.
Passivos, alguns mortos há tantos séculos, não podem reagir à
curiosidade de quem não foi o
destinatário original de uma carta,
da dedicatória de uma fotografia,
que não foi súdito ou contemporâneo de um reinado, sujeito à
obediência de um decreto ou uma
lei.
"Documentos Autógrafos Brasileiros na Coleção Pedro Corrêa do
Lago", com suas 191 páginas trabalhadas com atraente projeto
gráfico, é um livro com uma vantagem suplementar: Cruza, em todos os momentos, personagens
sobre os quais qualquer um de nós
possui referências precisas.
Autógrafo é uma palavra ambígua. Pode ser, em sentido corrente, a assinatura de uma personalidade do mercado cultural que determinado admirador cultua com
evidente fetichismo.
Na historiografia, no entanto,
autógrafo é o documento manuscrito com certo interesse.
Dois primeiros exemplos que o
livro de Corrêa do Lago traz: Santos Dumont, às vésperas do suicídio, lança a 14 de julho de 1932 um
apelo para que mineiros e paulistas não se confrontem numa revolução fratricida; Carlos Drummond de Andrade, redator-chefe
do "Diário de Minas", escreve em
1928 a Oswald de Andrade, dizendo não ter gostado de todos os
poemas que comporiam seu livro
"Primeiro Caderno".
Nelson Rodrigues, dramaturgo
de profundidade amoral, aos 13
anos faz uma composição escolar
em que elogia o escotismo, "instituição mais pura, mais perfeita
que existe na história da humanidade".
As frases se deslocam na história.
Trazem conteúdos inesperados.
"O brasileiro é muito revolucionário enquanto não lhe tocam nas
comodidades e principalmente na
bolsa..." Algum reconhecido cínico? Não. É de Luiz Carlos Prestes,
em carta de 1927.
"Quando muito, sou um aspirante à profissão (de escritor),
aguardando sem pressa que as circunstâncias definam-me a vocação", diz em carta de 1896 Graça
Aranha, ao recusar um convite para ocupar uma das cadeiras da
Academia Brasileira de Letras.
São todos exemplos pescados ao
acaso. São no mínimo curiosos,
por vezes fascinantes, em suas caligrafias, escritas personificadas
-que nem por isso se prestariam
a um diagnóstico psicanalítico do
autor.
A coleção de autógrafos de Pedro Corrêa do Lago é um mundo
dentro do mundo. A publicação
que ele faz de pequena amostragem provoca, à leitura, um agradável e constante sorriso nos lábios.
(JBN)
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