MÁRIO CHAMIE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O livro que me causou impacto e me revelou o sentido maior da palavra poética foi "A Divina Comédia", de Dante Alighieri. Quando, aí pelos 20 anos de idade, dicionário em punho e já empenhado no estudo da língua italiana, decidi ler essa obra ímpar, me dei conta de que a poesia talvez seja a única linguagem holística capaz de incorporar e reinventar todas as outras linguagens de que se serve. Por isso, "A Divina Comédia" (dividida em três partes com 33 cantos cada uma) constitui um arcabouço de filosofia, mitologia, religião, política, astrologia, história natural, escatologia e ética. Nesse arcabouço, juntam-se razão e fé, racionalidade e efusão mística, conhecimento objetivo e imaginação libertária. A própria arquitetura do livro, de fundamento pitagórico, favorece outras junções simbólicas, a exemplo do geocentrismo de Ptolomeu com a teologia tomista, e desta com o pensamento escatológico de Joaquim de Flora.
Quanto mais releio "A Divina Comédia", mais me convenço de que essa obra é, no Ocidente, além de cânone básico, uma didática heterodoxa para se entender e criar poesia. Quem já passou pelo seu Inferno, Purgatório e Paraíso sabe do que estou falando.