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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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+ música

O BOM e VELHO
RoCK AND RoLL

Cantor e compositor comenta história do estilo musical que esmiúça os bastidores de três décadas de showbiz

Associated Press
O guitarrista Angus Young, da banda AC/DC, durante apresentação em Helsinki, em 2001


Lobão
especial para a Folha

Quando fui convidado a fazer este texto, confesso que relutei um pouco. Estava em plena imersão na obra do Proust, no meio de uma das suas biografias. E me vem pela frente esse tal de rock and roll que quase sempre me deixa meio desconfiado, meio com o pé atrás. Pois bem, aceitei o desafio, fechei o Proust e caí dentro do "Rock and Roll - Uma História Social" (ed. Record), do norte-americano Paul Friedlander. Começo percebendo que o livro saiu aqui no Brasil meio atrasado (foi publicado originalmente em 1996) e, com isso, perdemos praticamente uma década, já que a saga do livro termina antes do "grunge" de Seattle, ficando também de fora toda a cena eletrônica, o "trip hop", as "boys bands", o nu metal, a internet e a pirataria. O livro inicia com um tom meio didático (o que na verdade, no final, não fica ruim) e vai direto para uma reconstituição de três décadas de rock pop por meio da biografia dos seus principais ícones, seguida de comentários e fatos que acabam por costurar todo o livro. O bacana da parada é perceber como as rádios AM e depois FM, a indústria fonográfica (oficial e independente), a MTV, as rádios piratas (comunitárias), o jabá etc. participam ativamente de todo o processo, ora na vanguarda -como a atuação das rádios comunitárias e das gravadoras independentes (num dado momento, até a MTV)-, ora no extremo controle conservador -com a indústria fonográfica, as rádios oficiais, os empresários...-, num desfile emocionante e emocionado de ascensões e quedas de vários astros e estrelas e suas estreitas relações com o showbiz e seu ritmo cruel.

Arrebatamento
Há um momento em que experimento sensações verdadeiramente proustianas quando o livro passa pelas décadas de 1960-1970 e percebo que começo a me deixar levar, arrebatar por toda a história. Com toda aquela odisséia de artistas empreendendo mudanças indeléveis no comportamento social da cultura ocidental por meio de uma expressão de síntese libertária e, ao mesmo tempo, tirânica e controladora quando usada pelo mercado, tive vários insights de memória involuntária, percebia que a canção permanece a mesma e um profundo carinho brotava por uma realidade que a cada momento me chamava mais e mais para dentro dela. O ideário de Paul Friedlander é muito parecido com o que eu acho sobre tudo isso. E, ao final do livro, ele meio que preconiza uma sinuca de bico que a indústria fonográfica terá (já está tendo) de enfrentar.

Higiene
Os ciclos oxigenantes de criatividade obtidos através de iniciativas sempre independentes são seguidos pelo refluxo do seu aproveitamento pelo mercado, que acachapa a criatividade e "higieniza" o artista e o gênero. O gênero (o rock) sempre deslizando dos tentáculos do controle e rolando sempre para pontos de fuga (alternativas).
Enfim, o livro dá uma noção clara de como é, de como funciona o showbiz, como se comportam os artistas, os empresários, as equipes, as gravadoras, as rádios e como caminha a humanidade -ou pelo menos a cultura ocidental- num final de século e início de outro com uma perspectiva de fim de festa para as gravadoras (o establishment em geral) e um vácuo a ser preenchido pelo novo, pelo criativo, pelo genuíno, pelo transgressor, pelo nômade e, quem sabe, novamente, pelo bom, velho e salubérrimo rock and roll.


Lobão é músico e letrista, autor dos álbuns "A Vida É Doce" e "A Noite", entre outros.


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