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Coletânea mostra como a atuação de Zacarias de Góis e Vasconcelos, influente personagem do Império, antecipa contradições do jogo político brasileiro
Um conciliador liberal
Jean Marcel Carvalho França
especial para a Folha
Ou a oposição quer governar ou
não. Se não quer governar (...),
então está dispensada de formular o seu programa. Mas, se
a oposição quer ser governo, é do seu rigoroso dever, quando ataca o programa
ministerial, exibir ao mesmo tempo o
seu (...)". Ligeiramente adaptado para
uma república presidencialista, o comentário acima bem poderia ter saído da
boca de um governista mais impaciente,
quando ainda o PT estava placidamente
sentado na cadeira da oposição.
O enunciado, porém, assim como o
problema que denuncia, é bem mais velho do que as querelas políticas recentes.
Ele remonta a 1861 e a outros embates
partidários, nomeadamente àquele que
opunha os liberais e o gabinete presidido
por Luís Alves de Lins e Silva, o duque de
Caxias. Quem saía em defesa do governo
era o então "conservador moderado"
Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877), um personagem de primeira linha
da vida política do segundo Império, cujo contributo para o processo de construção e consolidação do Estado nacional foi substantivo.
O legado escrito de maior relevo desse
respeitado e polêmico político oitocentista, um livro intitulado "Da Natureza e
Limites do Poder Moderador" (1862),
bem como outras reflexões suas, contidas em quatro discursos parlamentares e
num opúsculo publicado no Rio de Janeiro em 1872, encontram-se agora à disposição do leitor. A editora 34 acaba de
publicá-los dentro da bem concebida coleção "Formadores do Brasil", série que
trouxe já a público textos selecionados
de, entre outros, Bernardo Vasconcelos,
Hipólito José da Costa e Frei Caneca.
É quase desnecessário mencionar que
a produção intelectual de Góis e Vasconcelos, do mesmo modo que a produção
intelectual de parte assinalável da elite
política imperial brasileira, é pouquíssimo conhecida nos dias que correm. Daí a
importância do instrutivo estudo introdutório que abre a coletânea, a cargo da
pesquisadora Cecília H. de Salles Oliveira. O leitor menos familiarizado com os
bastidores políticos do período pode,
por meio desse ensaio, conhecer um pouco acerca da vida de Vasconcelos,
um baiano de Valença que cedo entrou
para as lides partidárias (22 anos) e rapidamente ascendeu nos quadros do Partido Conservador. Pode, igualmente, avaliar a sua importância no cenário político
do Império, onde o valenciano ocupou
os cargos de presidente de Província, deputado, senador e, por três vezes, entre
1862 e 1868, de presidente do Conselho
de Ministros. Pode, ainda, conhecer como o pensamento nacional (Pereira Santos, Joaquim Nabuco, Machado de Assis,
Taunay, Alberto Venâncio Filho, Pedro
Calmon, Túlio Vargas) "construiu" o
personagem Zacarias de Góis e Vasconcelos ao longo do tempo. E pode, por
fim, pesar os motivos que levaram um
político que permaneceu por mais de
duas décadas ligado aos conservadores a
se converter num "liberal moderado", a
fundar um novo partido, a liderar uma
"conciliação liberal" e a atuar como uma
peça-chave na crise política e ministerial
de 1868, que, para alguns estudiosos, daria início à "derrocada da monarquia".
Trajetória tortuosa
Vasconcelos, é
bom que se diga, está longe de ser o único homem público do período a empreender tão tortuosa trajetória política.
A bem da verdade, como sugere a pesquisadora Cecília Oliveira, suas idiossincrasias e suas idas e vindas entre liberais
e conservadores talvez apontem mais
para as incongruências e contradições da
vida política local do que, como querem
certos biógrafos do estadista, para o gradativo amadurecimento de uma "consciência liberal". É por isso, sem dúvida,
que o seu percurso -percurso, se não
modelar, ao menos comum entre a elite
imperial brasileira- ainda tem muito a
nos ensinar sobre as forças que movem o
nosso jogo político.
Jean Marcel Carvalho França é professor de história da Universidade Estadual Paulista, em Franca
(SP). É autor de "Literatura e Sociedade no Rio de
Janeiro Oitocentista" (Imprensa Nacional/Casa da
Moeda) e "Outras Visões do Rio de Janeiro Colonial" (José Olympio).
Zacarias de Góis e Vasconcelos
320 págs., R$ 32,00
de Cecília Helena de Salles Oliveira. Editora 34.
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