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Encíclica perdida de Pio 11 condena
anti-semitismo da Redação
Em junho de 1938, quando a Alemanha já havia anexado a Áustria
e se preparava para avançar sobre
a Europa, o papa Pio 11
(1857-1939) encomendou a três jesuítas a encíclica "Humani Generis Unitas" (Unidade do Gênero
Humano). Sua intenção seria denunciar o anti-semitismo crescente.
Meses depois, Pio 11 morria sem
ter chegado a divulgar a encíclica;
o papa Pio 12, que o sucedeu, preferiu silenciar sobre ela. O texto
permaneceu desaparecido até bem
pouco tempo. Em 1995, Bernard
Suchecky, historiador, e Geoges
Passelacq, monge beneditino belga, descobriram o documento
após uma longa pesquisa.
O livro que a Vozes acaba de lançar, "A Encíclica Escondida de Pio
XI" (400 págs.), traz todas as etapas dessa pesquisa e, em anexo, o
texto integral da encíclica. A publicação coincide com a divulgação pelo Vaticano, no último dia
16 de março, do documento intitulado "Nós Nos Recordamos -
Uma Reflexão sobre a Shoah", no
qual a igreja apresenta formalmente um ato de arrependimento
pela posição de omissão que assumiu durante a Segunda Guerra
Mundial.
O documento do Vaticano, no
entanto, foi considerado insatisfatório por autoridades judaicas, já
que nele a igreja pede perdão por
seus "filhos e filhas que se extraviaram", mas evita evocar figuras
católicas que colaboraram com o
regime de Hitler.
Leia abaixo trechos da encíclica.
"Se, por um lado, o ensinamento da igreja sobre as relações entre comunidade judaica e comunidade cristã e sua
atitude prática diante dos problemas levantados demonstram claramente a necessidade de tomar medidas enérgicas
com o objetivo de salvaguardar a fé e os costumes de seus
fiéis e proteger a própria sociedade contra as influências
perniciosas do erro, por outro lado, a doutrina tradicional
da igreja comprova, com não menos clareza, a impotência
e a ineficácia do anti-semitismo como meio de atingir tal
fim. O anti-semitismo revela-se, de forma lastimável, inferior à tarefa que se propõe e contrário a seus desígnios, já
que se limita a levantar inúmeros e mais temíveis obstáculos. Com efeito, os métodos perseguidores do anti-semitismo não podem, de modo algum, se conciliar com o espírito autêntico da Igreja Católica. (...)
Ao desafio do anti-semitismo, a resposta da Igreja é sem
equívocos ou tergiversações. Não é ditada por qualquer
espírito político profano, mas pela sua fidelidade ao precioso depósito da Verdade que lhe foi confiado pelo seu
divino Fundador e que, graças à assistência pessoal do Espírito Santo, ela guardou até agora em sua pureza original.
Verdade que se revela ao homem em sua razão e que, por
outro lado, confirma e completa outras verdades de ordem
natural que não são inacessíveis à inteligência humana livre e desinteressada. A Igreja não procura vitórias e triunfos políticos, nem está preocupada com as alianças entre
Estados ou as negociações da política. Assim, desinteressa-se pelos problemas de ordem puramente profana nos
quais o povo judeu possa estar implicado. Embora reconhecendo que as situações muito diversas dos judeus nos
diferentes países do mundo possam dar ocasião a problemas muito diversos de ordem prática, ela deixa a solução
de tais problemas aos poderes interessados, insistindo somente sobre o fato de que nenhuma solução será verdadeira se for contra as leis muito exigentes da justiça e caridade. (...)
No vasto quadro dessas evoluções históricas, o povo judeu ocupa um lugar único e doloroso. Como já vimos,
apresenta o estranho paradoxo de ser, simultaneamente,
objeto de uma inegável solicitude de Deus e, por outro
lado, ter repelido a iniciativa divina. Por isso mesmo, tornava-se um obstáculo para todos os outros povos, sem
cessar de ser mantido na existência, por uma surpreendente solicitude por parte de Deus.
A severidade com a qual a consciência cristã acusa, periodicamente, o povo judeu por ter rejeitado o Cristo e sua
doutrina, e por se comportar como adversário irredutível
do cristianismo, a amargura não menos profunda com a
qual os judeus valorizam suas acusações contra a religião
cristã, mostram suficientemente que esse antagonismo é
de natureza ideológica, que o conflito se desenrola menos
em torno de bens materiais do que de valores espirituais.
Isso traz em seu bojo um testemunho cujo valor é reconhecido pelos interessados: os valores humanos mais nobres
devem ser procurados no campo da liberdade e da responsabilidade moral diante do bem e do mal, porque só um
ideal espiritual pode servir de medida adequada aos valores humanos. Daí, devemos também concluir que é impossível encontrar a solução para um conflito desse gênero,
fazendo apelo a uma filosofia da vida materialista, para
não dizer física. A sã razão e a fé nos convidam a nos desviar das soluções de violência e força ou dos meios brutais
de coerção, em favor de medidas ditadas por um são espiritualismo."
Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira.
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