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ANTONIO CANDIDO
Motivo de reflexão
JOSÉ MIGUEL WISNIK
especial para a Folha
Quem tiver prestado atenção às
aulas e à conduta intelectual de
Antonio Candido há de ter notado
que ele é um homem avesso ao gênero "homenagem". E este depoimento poderia parar aqui.
Mas, com todos os riscos implicados, vou me estender um pouco
sobre a afirmação.
A vida cultural tem motivações
mais do que suficientes para quem
a vive na independência intelectual e na militância, ao longo das
atividades conjugadas de professor e ensaísta. Nesse caso, trata-se
de trabalhar temas e problemas
que se impõem com a força da necessidade, associada à paixão de
contribuir para pensá-los. Parece-me claro que, para quem se dedicou essencialmente a isso, ser
submetido à louvação acadêmica e
ao rito da efeméride compulsória
é uma contrapartida bastante desigual.
Quiproquó da imprensa
Antonio Candido marcou de
maneira clara, a meu ver, seus espaços de pertinência. O rodapé literário (quando ele importava para a vida intelectual), revista cultural (quando testemunhou a sua
geração), a sala de aula, o livro, a
participação política discreta e incisiva. Também discretamente,
sem falsa modéstia nem alarde,
evitou sistematicamente os espaços tradicionais da congratulação
acadêmica e passou a evitar também sistematicamente o novo cenário em que se dá o quiproquó da
imprensa. Compreender os desígnios deliberadamente implícitos
desse gesto é algo que se impõe,
para quem o respeita.
Parece claro também que o assunto da universidade, do ponto
de vista de Antonio Candido, não
é a adjetivação mas a nomeação
substantiva de questões difíceis. A
homenagem acadêmica resvala
queira ou não para uma constrangedora redução prática de seu objeto -no caso o arguto leitor de
Machado- a uma "teoria do medalhão" a contragosto. O desgosto pelo gênero seria assim, antes
de mais nada, uma questão de discernimento crítico de base literária, além de ética.
A cadeia de efemérides
Por outro lado o jornalismo cultural, de algum tempo para cá,
passou a funcionar por meio de
uma cadeia infinita de efemérides.
Se esse é um mecanismo natural
da memória coletiva, é preciso reconhecer que passou a ser, ao lado
da brutalidade corrente, um sinal
compulsivo da perda do fio dos
assuntos, tanto na sua dimensão
histórica quanto na sua força de
atualidade. Tacitamente, sem afetar heroísmo nem ressentimento,
Antonio Candido colocou-se fora
disso.
Faço aqui um esforço de leitura
daquele ponto em que a lição do
mestre é clara, embora não tão
evidente. Ao mesmo tempo, fique
dito que ela não supõe um modelo
a ser seguido como norma. Configura antes um motivo de reflexão,
além de um nítido e às vezes silencioso testemunho.
José Miguel Wisnik é músico, crítico e professor de literatura brasileira na USP, autor de "O
Coro dos Contrários" (Duas Cidades) e "O Som e
o Sentido" (Companhia das Letras).
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