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ANTONIO CANDIDO
O mestre à distância
LUIZ COSTA LIMA
especial para a Folha
Em minha mente, pelo visto
pouco eufônica, o nome "Antonio Candido" rima com reconhecimento e gratidão intelectuais.
Reconhecimento intelectual:
quando garoto no Recife, costumava ler ensaios, publicados em
suplementos ou livros, de Álvaro
Lins, Augusto Meyer, Otto Maria
Carpeaux e Antonio Candido. Foram eles meus iniciadores no padrão da qualidade crítica. Por afinidade eletiva, Candido era contudo o modelo por excelência, pois
reunia sensibilidade escrita e o que
eu intuiria como o encaminhamento de um método.
Não por acaso, essa escolha se
combinava com o fascínio sobre
mim exercido pelo "Mimesis",
de Erich Auerbach, lido pela primeira vez na tradução pioneira
(1951) de Eugenio Imaz. A combinação, fundada no privilégio de
uma abordagem sociológica, ganhava sentido diante das direções
apresentadas pelas muitas outras
leituras de então: (a) a textual-imanentista dos "new critics"
norte-americanos, que importava
pela Livraria Imperatriz; (b) a leitura dos franceses anteriores a Roland Barthes, com seus quadros
sinópticos e seus convencionais
comentários de texto; (c) a leitura
da tradição marxista, em que ainda não se incluía G. Lukács.
A preferência pelo duo Candido-Auerbach significava, por um
lado, a recusa do didatismo e da
fluência literatosa da tradição
francesa -dela, cedo aprendi a
excluir Valéry-, de outro, da superficialidade dogmática do marxismo oficializado.
Muito longe ainda de pôr em
questão os limites da abordagem
sociológica, ela era o fio de prumo
contra a minha própria confusão e
ignorância. Logo a seguir, serviria
ainda de contraste contra as soluções estilísticas que absorveria em
altas doses durante meus anos em
Madri (1960-61).
Ensaio capital
A distância dos anos me faz agora entender que a escolha de Candido tinha a qualidade de ser feita
em contraposição a modelos então muito mais prestigiosos. E
aquilo que sempre lamentei -não
haver sido seu aluno e não haver
privado de sua amizade- agora
percebo que teve ao menos um lado positivo: tive-o por mestre por
pura opção intelectual.
Admirado à distância, meu primeiro e fugaz contato com Candido se deveu a Milton Vargas, a
quem conhecera a partir da revista
"Diálogo", em cujo extraordinário nš 8, de 1957, Candido viria a
publicar um dos ensaios até hoje
capitais sobre o "Grande Sertão":
"O Homem dos Avessos". Mas
aquele contato se resumiu a receber autografado exemplar do
"Ficção e Confissão" (1956).
Era mesmo por não termos um
contato pessoalizado que minha
gratidão se tornaria muito maior.
Aposentado pelo Ato Institucional nš 1, em consequência da colaboração com um amigo constante
desde a adolescência, Paulo Freire, não tive já em 1964 outro caminho senão emigrar para o Sul.
A única dificuldade
Sobrevivendo primeiro como
revisor na editora Vozes e depois
como membro de enorme equipe
em projeto enciclopédico, ao mesmo tempo em que era professor-horista da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), por volta
de 1970, tive a oportunidade de
substituir Zuenir Ventura, em
curso da Escola de Desenho Industrial. Aí, me tornei amigo de
uma das filhas de Candido, Ana
Luisa Escorel.
Impossibilitado de inscrever-me
na pós-graduação da Faculdade de
Letras na Universidade Federal do
Rio de Janeiro, cujo diretor declarava que lá eu só entraria passando sobre seu cadáver (!), minha
única maneira de profissionalizar-me, por ser impossível sair do
país, pois o passaporte me era sistematicamente negado, consistia
em ser aceito pela USP.
Sem a interferência de Ana Luisa, eu não teria acesso a Antonio
Candido. Lembro-me de que, entregando-lhe meus papéis em uma
dependência da USP, dele ouvi
que, pelos livros já publicados, a
congregação da universidade me
concederia o direito de ingressar
diretamente no doutorado e, por
trabalhar noutra cidade, de ser
dispensado da frequência dos cursos (creio que isso já não seria hoje
possível).
Apenas lamento que não tenha
sabido então contornar a única dificuldade que Candido me apresentou: a de, por seu excesso de
trabalho, não poder de fato me
orientar. Talvez, se houvesse insistido, teria cometido menos erros e evitado contornos que levei
anos para concluir. Mas as lamentações não interferem em minha
gratidão.
Luiz Costa Lima é ensaísta e crítico, professor
de história social da cultura na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ). É autor de "Vida e
Mimesis" (Ed. 34), entre outros.
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