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ANTONIO CANDIDO
Arte da observação
LUCIANA STEGAGNO PICCHIO
especial para a Folha
Pedem-me um testemunho sobre Antonio Candido. E eu hesito
entre o orgulho de pertencer, embora estrangeira, à grande família
dos amigos do mestre brasileiro e
o receio de, levada pela amizade e
a profunda admiração que sinto e
sempre senti, desde o primeiro
momento, por ele, ultrapassar retoricamente aqueles limites de rigor e de pudor que são a marca da
sua personalidade de homem e de
estudioso. Sem contar a ironia.
Porque uma das características
que chocam de imediato o interlocutor de Antonio Candido é, debaixo da sua enorme seriedade, a
sua ironia, o seu saudável talento a
desmistificar qualquer situação,
humana e literária. O seu sorriso.
O seu jeito de verdadeiro ator,
capaz de improvisar ludicamente
cenas plurilíngues, portuguesas,
italianas, francesas, inglesas, todas de dicção impecável, a sua arte
de reproduzir as vozes e os movimentos de amigos privilegiados e
longínquos: Giuseppe Ungaretti,
Murilo Mendes, mas também Teresina Carini Rocchi, "obscura,
mas admirável militante socialista
italiana, vinda para o Brasil em
1890", de quem ele costuma mostrar com orgulho aos amigos italianos o álbum de recordações.
Arte da memória, mas também da
observação.
Todos nós, nacionais e estrangeiros, nos educamos nas obras de
Antonio Candido: na "Formação
da Literatura Brasileira", mas
também naqueles livros de ensaios que, consultados na hora da
escrita, nos dão sempre a impressão de que tudo está dito, que
nunca, nas nossas tentativas de
aproximação ao objeto literário,
poderemos dizer mais e melhor,
de forma tão segura e peremptória. Mesmo quando o que ele diz
parece chocar com algumas das
nossas mais enraizadas convicções.
Tenho aqui um dos seus últimos
trabalhos publicados, um caderninho de iniciação à literatura brasileira "para principiantes". Com
que rigor e segurança este grande
patriota, que nos momentos difíceis do seu país, de luta contra a
repressão, se encontrou sempre
na primeira linha em defesa dos
direitos dos brasileiros, de todos
os brasileiros, expõe, mais radicalmente do que nunca, talvez pelo
desejo de clareza que os destinatários da pequena obra exigem, a tese de que a literatura do Brasil faz
parte das literaturas do ocidente
da Europa, que, como dizia Ruggero Jacobbi, ela é a imagem profunda de um mundo que em vão
chamamos terceiro, pois na verdade é a segunda Europa!
Contra qualquer nacionalismo,
nosso também, de estrangeiros
desejosos de encontrar, desde "o
começo", no grande corpo das
obras literárias produzidas no
Brasil, as peculiaridades capazes
de caracterizar um repertório de
textos como uma literatura nacional.
Aparece aqui, com efeito, a espinha da personalidade humana e
política de Antonio Candido: o seu
socialismo, no sentido mais amplo da palavra -em direção diacrônica bem como sincrônica. O
argumento é que, apesar das tentativas de poucos autores iluminados, a começar pelo padre José de
Anchieta, que, com a promoção
da língua geral, tinha procurado
valorizar no país uma cultura de
interação entre os indígenas e os
conquistadores, a literatura brasileira nascera como ato de imposição dos "senhores" da metrópole, só adquirindo durante os séculos aquelas características temáticas e expressivas que fariam dela
uma literatura nacional.
Obrigada, amigo e mestre Antonio Candido. Obrigada também
por esta nova e peremptória aula
de literatura.
Luciana Stegagno Picchio é professora aposentada de literatura brasileira na Universidade
La Sapienza (Roma), autora, entre outros, de
"História da Literatura Brasileira" (Nova Aguilar).
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