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ANTONIO CANDIDO
O dia em que
o crítico
subiu
na mesa
WALNICE NOGUEIRA GALVÃO
especial para a Folha
Sopravam os ventos da abertura,
o ano era 1979 e a estação, o outono. Professores e demais funcionários públicos pela primeira vez
paralisavam juntos o trabalho, em
longa e ingrata greve, afinal perdida. Absoluta novidade, os funcionários, ainda que proibidos pelos
estatutos, saíram em passeata.
Despontaram lideranças, entre
as quais a de Luiza Erundina, que
dali foi para o segundo cargo mais
importante do país, o de prefeita
da cidade de São Paulo, e a de Flávio Aguiar, logo depois presidente
da Associação dos Docentes da
USP.
Naturalmente, como em todo
movimento de massa, houve altos
e baixos, incidentes dramáticos e
quiproquós. Dentre as diversas
ações, restou como a mais lembrada um comício havido em certa
tarde chuvosa de meados de abril,
no jardim da Faculdade de Medicina, afinal reunidos, após várias
assembléias parciais convocadas
nos locais de trabalho, os professores de primeiro e segundo
graus, os do ensino superior e os
funcionários. Ao largo, na avenida
Dr. Arnaldo, a polícia se mantinha
em peso e de prontidão.
Ninguém sabe como nem por
quê, no ritmo febril daqueles dias,
tinham esquecido de pedir permissão ao diretor da faculdade.
Transpirou a notícia de que ele estava uma fera. Deliberou-se rapidamente, concluindo-se que era
imperativo ir logo dar-lhe uma satisfação.
Lá se foi o vice-presidente da
Adusp falar com o diretor, que o
recebeu muito irascível e ameaçando mandar a polícia entrar para expulsá-los do jardim. Por seu
lado, o presidente, com uma comitiva, procurava o secretário da
Segurança Pública, firmando o
compromisso de que nem os grevistas sairiam, nem a polícia entraria.
Enquanto isso, a tensão geral
chegava ao auge e despencava
uma tempestade, com raios e trovoada. E o pessoal ali firme, ao ar
livre, debaixo do aguaceiro. O sistema de som, é claro, entrou em
pane. Adotou-se então a prática da
ladainha, inventada pelos estudantes, pela qual os da frente repetiam o que ouviam e iam repassando para os de trás. E não dava
para ver quem falava.
Às reclamações dos manifestantes, o pessoal se mexeu e acabou
desencavando, não se sabe de onde, uma mesinha. A humilde peça
de mobiliário encontrou sua gloriosa serventia ao se metamorfosear em tribuna para os oradores
da sessão. E foi assim que se registrou para a posteridade o instantâneo do vice-presidente e primeiro
orador, Antonio Candido, subindo na mesa pelo comando de greve da USP e clamando por união.
Em minutos, adequou os pingos
aos "is" -outros que não aqueles tombando do céu- e serenou
os ânimos, botando ordem nos
trabalhos.
A reivindicação salarial da greve
estava nos 70% de aumento, mais
um abono. O astuto governador
acabou concedendo o abono, mas
não o aumento. Com isso, alienou
as bases -para as quais, por ganharem tão pouco, o abono se tornava mais significativo que o aumento-, desarmando a greve.
Sem falar na intimidação, o governo deblaterando ameaças públicas, com declarações à mídia sobre iminentes demissões. E chamadas ao Dops de vários grevistas.
Culminação do movimento, seu
mais memorável evento veio a ser
esse comício, e até hoje as pessoas
conferem umas com as outras:
"Qual, aquele em que Antonio
Candido subiu na mesa?".
Walnice Nogueira Galvão é professora aposentada de teoria literária na USP, autora, entre
outros, de "Desconversa" (Ed. da UFRJ).
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