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ANTONIO CANDIDO
História e indivíduo
JOSÉ PAULO PAES
especial para a Folha
Nunca fui aluno do professor
Antonio Candido. Mas leio o escritor Antonio Candido desde a
década de 40. Comecei, rapazola
ainda, pelos seus rodapés de crítica literária na "Folha da Manhã",
mais tarde reunidos em "Brigada
Ligeira", de que guardo a primeira edição, da Livraria Editora
Martins.
Foi esse livrinho que, numa quadra de ainda hegemonia da prosa
de ficção social-documentária, me
abriu os olhos para a importância
do díptico "Miramar/Serafim"
na evolução das formas de ficção
brasileira -importância que os
inocentes do Leblon só iriam perceber décadas depois com a atoarda de quem tivesse descoberto a
pólvora. Ainda em "Brigada Ligeira", a propósito de um esquecido romance de Rosário Fusco,
há considerações sobre o surrealismo na literatura brasileira cuja
pioneira pertinência parece ter sido hoje esquecida pelos nossos
tardo-surrealistas.
Outra preciosidade bibliográfica
que conservo é "Monte Cristo ou
da Vingança" na edição dos "Cadernos de Cultura". Se por mais
não fosse, esse ensaio de Antonio
Candido me mostrou que, nos
seus melhores momentos, a literatura dita de entretenimento é tão
merecedora da atenção do analista
literário quanto a literatura dita de
proposta. Na iluminadora abordagem por ele feita da mítica de
"Monte Cristo" iria eu encontrar, anos mais tarde, instigação
para dois artigos em torno de reverberações dessa mítica. Ambos
os artigos foram recolhidos num
livro de ensaios: na dedicatória do
exemplar que ofereci ao autor de
"Monte Cristo ou da Vingança"
chamei-o, se bem me lembro, de
"fundador da monte-cristologia
brasileira".
Mas o livro que me deu toda a
medida da inteligência crítica de
Antonio Candido foi "Formação
da Literatura Brasileira". Sua primeira edição apareceu numa altura em que estávamos tão saturados da facúndia metodológica dos
cruzados da Nova Crítica quanto
desapontados com a pobreza de
resultados de suas ocasionais incursões por textos literários brasileiros. Na pertinência com que lograva articular a contextualização
histórica ao debruçamento crítico-analítico sobre a obra individual, esse livro extraordinário vinha mostrar, com a eloquência do
exemplo, o justo caminho que nenhum discurso do método poderá
jamais mapear por si só. E profeticamente vinha-nos pôr em guarda
contra o horror estruturalista da
diacronia que logo depois iria meter entre parênteses a mesma história congelada pelo poder militar.
Fui leitor atento dos vários volumes de ensaios que, na esteira do
seu "magnum opus", Antonio
Candido vem publicando nestes
últimos anos e que lhe consolidaram em definitivo a estatura de excepcional ensaísta literário. E, se
me abstenho de falar da relevância
de sua docência universitária, é
porque não me foi dado acompanhá-la intramuros. Mas dela tenho
sempre indireta notícia por meio
das contribuições de ex-alunos
seus aos estudo acadêmicos de literatura. Contribuições cujo merecimento mostra não terem caído
em terra sáfara as sementes por ele
plantadas ao longo de tantos anos
de dedicação à cátedra.
José Paulo Paes é ensaísta, poeta e tradutor,
autor, entre outros, de "De Ontem para Hoje"
(Boitempo) e "Os Perigos da Poesia e Outros Ensaios" (Topbooks).
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