São Paulo, domingo, 19 de julho de 1998

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ANTONIO CANDIDO
O pajé das letras e o novo Brasil

GILBERTO VASCONCELOS
especial para a Folha

Antonio Candido é um intelectual de sorte, afortunado pelo destino histórico, porque há chances da parceria Brizula (Brizola e Lula) dar certo neste ano de 1998. Ainda que tardia, a conciliação do nacionalismo varguista com o trabalhismo petista não deixa de afetar o julgamento crítico da posição equidistante que Antonio Candido sempre manteve quanto à palingênese cultural e política do brizolismo na sociedade brasileira.
De 1945 a 1998 (não obstante a amizade com Darcy Ribeiro e admiração por Silvio Romero), Antonio Candido nunca abordou em profundidade, para além da fórmula limitada do cosmopolitismo versus localismo, o complexo fenômeno do nacionalismo advindo da Revolução de 30.
Sabemos a respeito de seu socialismo democrático, marxólogo, expresso reiteradas vezes antes e durante a Guerra Fria, porém não deparamos em sua biografia intelectual com um ajuste de contas que tematizasse o nacionalismo varguista, nisso aproximando-se menos de Paulo Emilio Salles Gomes do que de Sérgio Buarque de Holanda, cujo livro "Raízes do Brasil" é fonte de inspiração tanto do PT quanto do PSDB, na razão inversa do mal-estar buarquiano ante o papel disruptivo do caudilhismo gaúcho para a democracia, identificado (sucessivamente em 1954, 1964, 1989, 1994) com alguma coisa arcaica, atrasada, incivilizada e antiintelectual, embora Getúlio Vargas tivesse um dia declarado que o modernismo na política era a Revolução de 30.
Nesta parafernália proto-udenista até o marxismo aculturado entre nós seria refratário ao nacionalismo trabalhista como epifenômeno burguês: os intelectuais marxistas deixaram o "pistoleiro Vargas", como dizia Oswald de Andrade, falando sozinho, isolado, solitário, suicidário. A sólida muralha antibrizolista que se armou em São Paulo, dentro e fora das universidades, contou com o exemplo paradigmático da atitude olímpica ou reticente do célebre crítico literário em relação aos órfãos isebianos da carta-testamento, corroborando o lugar-comum repetido enfaticamente hoje em dia no Palácio do Planalto: Vargas e São Paulo não se entendem.
O atual presidente da República está investido da missão de ser o coveiro da era Vargas, e não do legado entreguista do regime de 64, cujo desígnio foi o de barrar o caminho do brizolismo anticolonial ao poder. O espectro do brizolismo voltou à cena depois que a lucidez política de José Dirceu cimentou a aliança trabalhista com Lula.
Ora, por representar como ninguém a força midiática e política do "magister" em São Paulo, o octogenário Antonio Candido detém as melhores condições objetivas e subjetivas de fornecer ao distinto público a desmistificação intelectual da sociologia que alcançou o poder menosprezando inteiramente a questão da soberania nacional e a preservação do patrimônio bioenergético do país, cuja malandragem ideológica foi limitar o nacionalismo aos anos 50, ou senão considerá-lo um perigoso dispositivo de autoritarismo.
Assim, com a sinfonia Brizula pintando no pedaço, o venerando pajé das letras supera a esquizofrenia entre trabalhismo e nacionalismo, ao mesmo tempo em que responde ao esnobismo tucano grafocêntrico, para quem Lula não passa de um sujeito bronco, rústico, primitivo, proleta e despreparado.
E viva Antonio Candido!


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (Ed. Espaço e Tempo), entre outros.



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