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ANTONIO CANDIDO
O pajé das
letras e o
novo Brasil
GILBERTO VASCONCELOS
especial para a Folha
Antonio Candido é um intelectual de sorte, afortunado pelo destino histórico, porque há chances
da parceria Brizula (Brizola e Lula)
dar certo neste ano de 1998. Ainda
que tardia, a conciliação do nacionalismo varguista com o trabalhismo petista não deixa de afetar
o julgamento crítico da posição
equidistante que Antonio Candido sempre manteve quanto à palingênese cultural e política do brizolismo na sociedade brasileira.
De 1945 a 1998 (não obstante a
amizade com Darcy Ribeiro e admiração por Silvio Romero), Antonio Candido nunca abordou em
profundidade, para além da fórmula limitada do cosmopolitismo
versus localismo, o complexo fenômeno do nacionalismo advindo
da Revolução de 30.
Sabemos a respeito de seu socialismo democrático, marxólogo,
expresso reiteradas vezes antes e
durante a Guerra Fria, porém não
deparamos em sua biografia intelectual com um ajuste de contas
que tematizasse o nacionalismo
varguista, nisso aproximando-se
menos de Paulo Emilio Salles Gomes do que de Sérgio Buarque de
Holanda, cujo livro "Raízes do
Brasil" é fonte de inspiração tanto
do PT quanto do PSDB, na razão
inversa do mal-estar buarquiano
ante o papel disruptivo do caudilhismo gaúcho para a democracia,
identificado (sucessivamente em
1954, 1964, 1989, 1994) com alguma coisa arcaica, atrasada, incivilizada e antiintelectual, embora
Getúlio Vargas tivesse um dia declarado que o modernismo na política era a Revolução de 30.
Nesta parafernália proto-udenista até o marxismo aculturado
entre nós seria refratário ao nacionalismo trabalhista como epifenômeno burguês: os intelectuais
marxistas deixaram o "pistoleiro
Vargas", como dizia Oswald de
Andrade, falando sozinho, isolado, solitário, suicidário. A sólida
muralha antibrizolista que se armou em São Paulo, dentro e fora
das universidades, contou com o
exemplo paradigmático da atitude
olímpica ou reticente do célebre
crítico literário em relação aos órfãos isebianos da carta-testamento, corroborando o lugar-comum
repetido enfaticamente hoje em
dia no Palácio do Planalto: Vargas
e São Paulo não se entendem.
O atual presidente da República
está investido da missão de ser o
coveiro da era Vargas, e não do legado entreguista do regime de 64,
cujo desígnio foi o de barrar o caminho do brizolismo anticolonial
ao poder. O espectro do brizolismo voltou à cena depois que a lucidez política de José Dirceu cimentou a aliança trabalhista com
Lula.
Ora, por representar como ninguém a força midiática e política
do "magister" em São Paulo, o
octogenário Antonio Candido detém as melhores condições objetivas e subjetivas de fornecer ao distinto público a desmistificação intelectual da sociologia que alcançou o poder menosprezando inteiramente a questão da soberania
nacional e a preservação do patrimônio bioenergético do país, cuja
malandragem ideológica foi limitar o nacionalismo aos anos 50, ou
senão considerá-lo um perigoso
dispositivo de autoritarismo.
Assim, com a sinfonia Brizula
pintando no pedaço, o venerando
pajé das letras supera a esquizofrenia entre trabalhismo e nacionalismo, ao mesmo tempo em que
responde ao esnobismo tucano
grafocêntrico, para quem Lula não
passa de um sujeito bronco, rústico, primitivo, proleta e despreparado.
E viva Antonio Candido!
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor
de ciências sociais da Universidade Federal de
Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (Ed. Espaço e Tempo), entre outros.
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