|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
POLÊMICA
A torre de marfim
JOSÉ ANÍBAL
especial para a Folha
O Mais! da semana passada teve um grande mérito: fez cair a
máscara do que existe de reacionário na universidade brasileira.
Fez isso ao publicar agressivo artigo da professora Maria Sylvia
Carvalho Franco, que, sob o pretexto de defender uma idéia de
universidade, apenas exibiu sua
mesquinhez, desprezo pela cidadania e compromisso com o corporativismo.
Discutir o papel da universidade é fundamental para a sociedade e participo desse debate com o
interesse de cidadão, a responsabilidade de parlamentar e o dever
de secretário de Estado. Ao partir
para agressões verborrágicas, a
professora procura desqualificar-me e desacreditar propostas que
são minhas e do governador Mário Covas. No final, é ela quem se
desqualifica como participante
inteligente do debate, mas isso
não impedirá que mereça uma
resposta, o que não aconteceria se
eu fosse quem ela pensa que sou.
Como disse, a professora representa com estardalhaço o que há
de mais resistente ao debate na
universidade. Trata-se do setor
que deseja manter as instituições
de ensino superior e pesquisa como torres de marfim, impenetráveis para o que consideram reles
cidadãos. É o setor que tem aversão a ouvir a sociedade, que resiste a usar o conhecimento para
melhorar sua existência.
Passemos adiante e entremos
no debate que interessa.
Em primeiro lugar, parece-nos
fazer cada vez menos sentido dividir a ciência em "pura" e "aplicada". Qual o mal em empregar
ciência e pesquisa no desenvolvimento socioeconômico do ser
humano? Isso por acaso impedirá
que cientistas dedicados às mais
diversas áreas possam trabalhar
para expandir as fronteiras do conhecimento? É claro que não.
Diz a professora que "os caminhos da imediatez no campo do
saber e da técnica são nulos". Pesquisas sobre doenças e medicamentos, portanto, devem ser inúteis no entender de nossa furibunda "intelectual". Ou haverá
algo de mais imediato do que a
saúde das pessoas?
Investigação científica
Tomemos ainda o exemplo do
Projeto Genoma, pelo qual a Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp),
mantida pelo governo estadual,
colocou o Brasil no mapa internacional da pesquisa genética de
ponta. Isso somente foi possível
graças à reconhecida competência de pesquisadores e laboratórios paulistas, especialmente da
USP. Trata-se de investigação
científica da melhor qualidade,
que, em tempo, trará grandes benefícios às pessoas. É apenas um
caso em que a pesquisa que poderíamos chamar de "pura" caminha ao lado dos resultados concretos para o cidadão.
Como disse na entrevista ao
"Jornal da Unicamp", considero
como nosso grande desafio aproximar a universidade do setor
produtivo. Apenas mentes distorcidas pelo corporativismo podem entender essa colocação como a condenação da pesquisa exploradora, da investigação, da
ampliação do saber. Isso pode
perfeitamente ser feito ao mesmo
tempo em que a sociedade recebe
os benefícios dos recursos que
destinou à universidade. Não são
ações excludentes, e sim complementares.
Aproximar a pesquisa da produção também não significa uma
conspiração contra o ensino superior público e gratuito. Pelo
contrário, serve para fortalecê-lo.
Neste ano, a Universidade de
São Paulo (USP), a Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Estadual
Paulista (Unesp), o Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT), a
Fapesp, o Centro de Educação
Tecnológica Paula Souza e as três
faculdades vinculadas receberão
cerca de R$ 2,3 bilhões vindos dos
impostos pagos pelos cidadãos,
aqueles mesmos que dão arrepios
à professora.
Portanto uma das melhores
maneiras de a universidade retribuir ao contribuinte é assumir
papel central no aperfeiçoamento
de técnicas, processos e produtos
que fazem parte da vida das pessoas. Insisto: sem prejuízo de pesquisas e trabalhos "puros" e sem
menosprezar o papel da universidade como centro de discussão e
difusão de idéias, de abertura de
mentes, de alargamento de fronteiras.
Vale registrar a irritação de dona Maria Sylvia com o exemplo
que dei sobre a "raspa de couro".
O fato de o departamento de química da Unesp ter pesquisado resíduos sólidos e poder tornar disponíveis os resultados para o setor produtivo leva a professora a
dizer que esse não é um problema
nem da universidade, nem dos
institutos de pesquisa, nem do
município. Apenas do fabricante!
Que visão autoritária e ignorante
das questões colocadas pelo processo produtivo, que dizem respeito diretamente à sociedade.
Ainda na questão do setor produtivo, é preciso ressaltar que as
grandes empresas conhecem a
qualidade da maioria de nossos
professores e pesquisadores. Sabem também da importância de
formar parcerias com as instituições de excelência mantidas pelo
poder público e de pagar por elas,
sem dúvida. Esse é um caminho
para universidades e institutos de
pesquisa saírem a campo, melhorarem seus orçamentos e agregarem avanços a seus próprios bancos de conhecimento.
Como eu disse na referida entrevista, esqueçam a solução defendida pela professora e seus colegas da torre de marfim: encostar o corpo à sombra e cobrar o
aumento da participação no
ICMS pago pela população. Essa
cota chega hoje aos 9,57% para as
universidades.
Entretanto, voltando ao aspecto
do desenvolvimento, se as grandes empresas conhecem o potencial da universidade, o mesmo
não ocorre com as pequenas e
médias, peças fundamentais no
crescimento do Estado e do país.
Nosso objetivo é agregar tecnologia e competitividade a esse setor.
A receptividade a essa proposta
tem sido das melhores nos contatos que tenho mantido com empresários, trabalhadores, acadêmicos e instituições de ensino e
pesquisa.
Omissão inaceitável
Cabe aqui reafirmar um conceito que comentei no "Jornal da
Unicamp" e que a professora distorceu deliberadamente, como de
resto fez com toda a entrevista.
Referi-me à formação tecnológica da indústria automobilística
em São Paulo, assinalando que,
no começo, os aspectos técnicos
da atividade eram em boa medida
copiados a partir da desmontagem de equipamentos trazidos
do exterior.
Como assinalei, essa fórmula
não funciona hoje. Não só é crime
copiar software, como não criar
condições para desenvolvê-lo é
omissão inaceitável. Só terá inserção ativa no mundo globalizado quem produzir e desenvolver
tecnologia.
Ouvi recentemente de um diplomata latino-americano que o
Brasil é o único país emergente
que tem condições de produzir e
desenvolver tecnologia, atualmente. Dentro de nossas atribuições, essa prioridade estratégica
terá todo o nosso apoio. Tenho
certeza que a comunidade acadêmica realmente comprometida
com o desenvolvimento do conhecimento concorda.
Ao mesmo tempo em que buscamos abrir novos canais tecnológicos com as empresas, notadamente pequenas e médias, conforme prioridade fixada pelo governador Mário Covas e como
tem sido feito, por exemplo, pelo
Ipen (Instituto de Pesquisa Energética e Nuclear) com 15 empresas incubadas em suas instalações na USP, estaremos estimulando a geração de empregos,
coisa que certamente não está entre as preocupações de dona Maria Sylvia.
Chegamos a outro ponto crucial para os rumos da universidade pública: a questão dos inativos, que também abordei na entrevista ao "Jornal da Unicamp".
O fato é que, hoje, a USP, por
exemplo, gasta 30% de seu orçamento com aposentadorias, e esse índice é crescente. Quem tem
responsabilidade pública deve
olhar essa questão com seriedade, sob pena de termos instituições com grandes dificuldades
em alguns anos.
O governo federal e o governo
estadual, em conjunto com os reitores das universidades paulistas,
estão analisando o que fazer. Na
entrevista, disse que a construção
de uma solução tem que ser admitida por todos. Caso contrário,
caminhamos para um impasse.
A questão dos inativos
Em seu panfleto, a professora
tenta ser dramática ao citar uma
paranóica solução hitlerista para
a questão dos inativos. Além do
insulto, surge a leviandade de
quem foge ao debate para destilar
frustrações de sua vida acadêmica. O fato é que, ao escamotear
uma situação concreta, nossa iracunda professora tenta apenas
segurar o véu sobre uma das
maiores vergonhas do poder público brasileiro: as aposentadorias privilegiadas mantidas com
unhas e dentes por grupos que se
escondem atrás do biombo dos
"direitos adquiridos".
É lamentável ver alguém que
ostenta títulos acadêmicos defender aposentadorias integrais de
milhares de reais, obtidas em geral com pouca idade, enquanto os
18 milhões de aposentados pelo
INSS precisam enfrentar o mês
com R$ 200 em média.
Um dos raros comentários
aproveitáveis no emaranhado de
baboseiras e grosserias proferidas pela professora surge quando
ela aponta a concentração de riqueza em nosso país, que seria
combatida por meio do pagamento de aposentadorias dignas.
Concordo: que tal acabarmos então com os privilégios que a senhora tanto defende, cara professora?
Quanto às negociações que, na
cabeça de dona Maria Sylvia, estão associadas a chantagem e
oportunismo -sobre questões
que inquietam os corpos docente
e discente das universidades-,
afirmo que elas vão continuar, inclusive com relação aos hospitais
universitários, que são referências para todas as regiões onde estão instalados.
São questões colocadas pelos
senhores reitores, interlocutores
amplamente legitimados por
suas instituições. Referindo-se a
mim como interlocutor, a professora diz que "negociar com tal
personagem é vender barato a vida do espírito". "Vender", dona
Maria Sylvia? Isso sim é linguagem chula e vulgar. Quem põe
preço no espírito revela bem seu
compromisso ético, moral e intelectual.
Para finalizar, já que a professora é dada a gracinhas com nomes
históricos -fez isso com Aníbal,
o cartaginês-, vale dizer que outra Maria, a Louca, tentou impedir o desenvolvimento do Brasil.
Não será a sua xará, a Furiosa,
que desvirtuará o debate sobre o
desenvolvimento de São Paulo e a
contínua revitalização de suas
universidades.
José Aníbal, 51, é deputado federal pelo
PSDB-SP e Secretário de Ciência, Tecnologia e
Desenvolvimento Econômico do Estado de São
Paulo.
Texto Anterior: Cinema reinterpreta ciência Próximo Texto: Livros - Manolo Florentino: Múltiplas faces Índice
|