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Utopia vip
Após passar uma semana em Heathrow, em Londres,
o escritor suíço Alain de Botton defende que aeroportos
são espaços democráticos, mas diz que
as pessoas
não deveriam
viajar tanto
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ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
Em mais um livro de
prosa carregada de
imagens poéticas e leves considerações filosóficas, o best-seller
Alain de Botton retoma o tema
da viagem em "A Week at the
Airport" (Uma Semana no Aeroporto, Profile Books, 112
págs., °8,99, R$°26), lançado
em setembro no Reino Unido.
Assim como "A Arte de Viajar" (ed. Rocco), trata-se de um
livro ilustrado. Desta vez, em
lugar de reproduções de obras
de arte, o produto (ainda sem
data de lançamento definida
no Brasil) tem fotografias de
Richard Baker, que acompanhou o escritor em suas visitas
a Heathrow, o maior aeroporto
britânico, em agosto.
Escrito a pedido da empresa
controladora de Heathrow, o
volume dá continuidade ao interesse do suíço (radicado em
Londres) nos detalhes pouco
visíveis da aviação civil.
Essa indústria, pressionada
pela concorrência acirrada, por
apelos à menor emissão de poluentes e pela redução de custos, é tratada pelo autor mais
como "arte" e como "paixão".
Enquanto ele concedia esta
entrevista à Folha por telefone, a British Airways e sindicalistas -que protestam contra a
redução das equipes de comissários de voo e contra o congelamento de salários- negociavam para evitar uma greve que
ameaça cancelar cerca de 1 milhão de bilhetes durante os feriados de fim de ano. Não houve acordo e a greve foi barrada
na Justiça na quinta-feira passada. Os sindicalistas prometem insistir nos protestos.
FOLHA - Em seu livro, o sr. diz que,
"considerada em termos coletivos,
como uma indústria coesa, a aviação civil nunca apresentou lucro.
Igualmente significativa, a publicação de livros tampouco"...
ALAIN DE BOTTON - Contrariando
um princípio básico do capitalismo, essas indústrias não têm
o lucro como motivação, mas a
paixão.
FOLHA - A subvenção, o perdão de
dívidas para a aviação civil têm mais
a ver com paixão do que com um esforço civilizatório?
DE BOTTON - Obviamente há razões de identidade nacional para as pessoas quererem ter
companhias aéreas e seus países as apoiarem, mas a motivação principal é a diversão. É divertido voar.
Atores irracionais investem
nesse mercado, mesmo se não
houver retorno em dinheiro.
Isso dificulta que a concorrência se organize em torno do lucro. De um ponto de vista de
negócio, temos um mercado
corrompido.
FOLHA - Atualmente é comum
lembrar quanto as viagens de carro
e avião contribuem para a emissão
de carbono na atmosfera. Como defensor do ato de viajar, o que pensa
a respeito?
DE BOTTON - Os voos representam 4% das emissões. Isso é
muito, mas não 40%, que é o caso da indústria pecuária. Comer um hambúrguer ou um bife pode ser ruim para o ambiente, mas é o avião que é tomado
como símbolo da poluição. Afinal, é uma máquina grande, não
um animal quadrúpede.
Mas teremos de viajar menos. Voamos muito sem necessidade. Faço isso frequentemente: recebo um convite para
algum evento, as passagens são
baratas, penso que seria tolice
dizer não. Executivos que poderiam resolver tudo pela internet, por teleconferência,
ainda viajam demais.
Um efeito interessante é que
as pessoas irão viajar com menor frequência, e, geralmente,
quem mais se diverte nos aeroportos é quem viaja menos. Retornaremos à época em que o
ato de viajar era algo especial.
FOLHA - Quão igualitário é um aeroporto?
DE BOTTON - Todos podem se
olhar e compartilham a maioria
dos espaços... São forçados a ver
seus companheiros humanos.
O lugar é cheio de extremos.
Em Heathrow vemos grandes
famílias, que claramente não
são ricas, partindo para a África. Elas provavelmente levaram muito tempo juntando dinheiro para viajar e estão carregadas de presentes, ao lado de
executivos de primeira classe.
FOLHA - Em "A Arte de Viajar", o sr.
descreve a interpretação que o escritor e crítico T.S. Eliot fez do elogio de
Baudelaire, sobre as máquinas e os
lugares relacionados às viagens. Em
"Uma Semana no Aeroporto", o sr.
segue os passos de Baudelaire?
DE BOTTON - De certa forma,
sim. O aeroporto me fascina
porque não pertence a ninguém. Trata-se de um lugar onde quem não se considera pertencente a lugar nenhum pode
se sentir em casa. Existe em um
universo separado, a "Aeroportolândia".
Curiosamente, muitas pessoas que me viram no aeroporto vieram segredar: "Não conte
para ninguém, mas devo ser a
única pessoa que adora aeroportos". Há uma cultura de
achar ruim o aeroporto, a confusão, mas no fundo muita gente gosta. É um lugar de sonhos.
FOLHA - Durante a confusão das
festas de fim de ano ou ao longo das
agruras de uma greve, o aeroporto
não perde sua magia?
DE BOTTON - É claro que, se você
está levando cinco crianças e
não consegue viajar, pode ser
uma experiência infernal.
Mas, quando há um pouco de
atraso, como nos dias em que
neva sobre a pista, as pessoas
acabam conversando, e a frieza
britânica desaparece.
FOLHA - Após essa experiência em
Heathrow, qual é sua opinião sobre
o filme "O Terminal", de Steven
Spielberg?
DE BOTTON - Eu não o assisti para não ficar influenciado. Ainda
não o vi. Gosto de pensar em
"Alice nas Cidades", de Wim
Wenders: trata muito de aeroportos, é um filme lindo. Aeroportos são muito cinematográficos e acho que o fotógrafo [Richard Baker] conseguiu valorizar esse aspecto no livro.
FOLHA - Depois de escrever um livro sobre a arte de viajar, o que o
surpreendeu em Heathrow?
DE BOTTON - Há detalhes do
processo, como o homem que
percorre a pista de pouso todas
as noites em busca de metais
que possam causar acidentes.
Ou uma função na British
Airways que consiste em estabelecer as rotas de cada aeronave num programa de computador, em que cidade ela estará
daqui a uma semana.
A gente pensa que o avião está sempre indo para o mesmo
lugar de onde veio, mas não é
assim.
FOLHA - Num mundo de padronização, que diferenças podemos encontrar entre os aeroportos?
DE BOTTON - É preciso olhar para as pequenas diferenças: as
formas como são escritas as
placas, os cafés... Há uma carga
enorme de sabor local. É como
os comerciais de Coca-Cola:
não é porque a bebida é a mesma que os comerciais são iguais
no mundo todo.
FOLHA - Quais são seus aeroportos
favoritos?
DE BOTTON - Heathrow é um deles, inclusive por ser perto de
casa. O de Zurique [Suíça], muito bonito. E o de Cingapura,
muito feio, mas exótico. Sou
também um fã dos pequenos
aeroportos. Evocam o tempo
dos pioneiros da aviação.
FOLHA - Qual é sua opinião sobre
os aeroportos brasileiros?
DE BOTTON - Tenho lido sobre
problemas relacionados à crescente demanda aí, mas não me
lembro de detalhes específicos.
Sei que há uma cultura muito
diferente por causa das grandes
distâncias: o brasileiro não vê
uma viagem de três horas como
muito longa, enquanto o europeu faz mais alarde, pois representa o tempo de ir de uma
ponta a outra em seus países.
Minha principal lembrança é
viajar num avião da Varig. O
voo atrasou demais, foi caótico,
mas agradável, com um sabor
brasileiro. As pessoas eram
amigáveis. A tripulação pediu
que os passageiros votassem, e
decidimos comer o jantar antes
mesmo de o avião decolar.
Esse tipo de coisa não existe
em uma empresa europeia.
FOLHA - O sr. considera "Uma Semana no Aeroporto" um complemento à "Arte de Viajar"?
DE BOTTON - Está mais para lente de aumento ou capítulo extra. No primeiro livro eu escrevia um capítulo sobre aeroportos, aqui pude detalhar mais,
além das belas fotos.
FOLHA - Ambos têm a mesma prosa poética. Inclusive há fórmulas repetidas, como lembrar que o avião
sobrevoa uma cidade enquanto lá
embaixo "enchem-se chaleiras" e o
pouso da aeronave libera "uma rajada de fumaça que deixa evidentes
sua velocidade e seu peso". Por que
considerou isso necessário?
DE BOTTON - Era necessário
porque não dá para querer que
eu reinvente a roda... Pensei em
repetir algumas imagens; nem
todo mundo leu antes.
Acho que ninguém se incomodou com uma ou duas metáforas repetidas.
FOLHA - Como foi escrever sob encomenda?
DE BOTTON - Não foi diferente
de qualquer outro livro. Tive liberdade para escrever o que
quisesse. Seria ruim se fosse
um livro de propaganda de
Heathrow, se soasse como publicidade; a ideia era fazer uma
reportagem.
FOLHA - Eles o convidaram por causa de "A Arte de Viajar"?
DE BOTTON - Na verdade, sondaram vários escritores e eu me
candidatei. "A Arte de Viajar"
me fez pensar que eu seria o homem certo para o serviço.
FOLHA - Enquanto conversamos,
sindicalistas negociam uma greve
que pode paralisar Heathrow. Qual
é sua opinião sobre a demanda dos
trabalhadores?
DE BOTTON - É suicídio pedir o
que eles pedem à British Airways, que é manter certos direitos que quase todas as suas
concorrentes não oferecem.
É um peso, é como voar com
um submarino pendurado no
avião. Os empregados da British Airways têm uma vida confortável, mas correm o risco de
ficar sem emprego.
FOLHA - Sua entrevista com Willie
Walsh, o presidente da British Airways, converte uma "falha jornalística", isto é, a ausência de perguntas
sobre a crise da empresa, em vantagem, buscando o homem que há
dentro do administrador. Desde então Walsh tem sido uma das figuras
centrais na negociação com os sindicalistas. Qual é sua opinião sobre ele
e sua atuação?
DE BOTTON - Nem queria entrevistá-lo, mas isso me foi apresentado como uma honra, uma
oportunidade. Sabia que ele seria discreto, profissional, não
faria revelações, o que seria
chato. Na negociação ele é durão, conhecido por reduzir o
número de funcionários em sua
empresa anterior.
Mas, agora, está entre duas
situações difíceis: ceder aos
sindicatos pode significar tirar
as esperanças da British Airways de mudar sua política trabalhista, correndo o risco de
destruir a empresa lentamente;
mas enfrentar uma greve pode
destruí-la rapidamente.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
inglês podem ser encomendados pelo site
www.amazon.com
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