|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ livros
Projetos e desenhos de Niemeyer em livro "autobiográfico" mostram
a perenidade de sua obra contra os modismos pós-modernos
Arquitetura sem pátria
HUGO SEGAWA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com a morte de Philip Johnson em janeiro passado aos
98 anos, Oscar Niemeyer
(1907) resta como o último
grande arquiteto de sua geração.
Foi um jovem Philip Johnson que
formulou um respeitoso insulto a
um provecto arquiteto, Frank Lloyd
Wright (1867-1959), quando disse
que este era "o maior arquiteto do
século 19". Wright trabalhou até
seus 92 anos ouvindo elogios e agravos da crítica. Se ele tivesse morrido
logo após suas "prairie houses", já
teria garantido um lugar na história
da arquitetura com pouco mais de
40 anos de idade. Contemporâneo
de Johnson e Niemeyer, Giuseppe
Terragni (1904-1941) morreu durante a Segunda Guerra Mundial e ficou
na história por algumas poucas e antológicas realizações.
Niemeyer aos 33 anos de idade já
teria deixado algum rastro na história com as obras da Pampulha -em
cujos edifícios ele ousou introduzir a
curva, em contraponto ao ângulo reto pregado por Le Corbusier e pelo
racionalismo então corrente na arquitetura.
Sob o crivo da condição pós-moderna, Niemeyer foi considerado
um ultrapassado, uma figura para
ilustrar as páginas dos livros de história da arquitetura. Sua obra foi
considerada irreproduzível, personalista. Mas o tempo colaborou contra a implacabilidade da crítica. A
multiplicação de anódinas caixas de
vidro mostrou que certas arquiteturas deveriam mesmo ser irreprodutíveis; o espalhafatoso neopersonalismo arquitetural finissecular é uma
perversa faceta ante a suave prédica
de um Niemeyer firme de convicções modernas e em oposição à camaleônica predisposição pós-moderna de Johnson (seu necrológio
foi controvertido).
Niemeyer colecionou nos últimos
anos uma série de reconhecimentos
internacionais que decorrem de sua
condição de herói de uma época. Essas homenagens estão lhe devolvendo um prestígio não gratuito nestes
tempos tão midiáticos: Oscar Niemeyer reassumiu um posto no cenário internacional da arquitetura.
Primeira pessoa
"Minha Arquitetura - 1937-2005"
não é um balanço de uma longa carreira, mas uma seleção de projetos e
obras dentre os quais chama a atenção o volume de realizações propostas no século 21 (várias, todavia, com
apresentações limitadas). Traz alguns momentos para a sua poesia,
desenhos livres, esculturas e mobiliários.
O título esclarece que se trata de
um livro "por" Niemeyer, e não "sobre" Niemeyer, diferindo de quase
tudo que se publica no mundo sobre
os grandes arquitetos, exceto as poucas autobiografias. Todos os textos
estão escritos na primeira pessoa,
naquele tom simpático e confessional de "As Curvas do Tempo" (Revan), seu livro de memórias.
Aliás, várias passagens em "Minha
Arquitetura" são tributárias da autobiografia -um gênero pelo qual
Niemeyer já era enaltecido por Vinicius de Moraes, Jorge Amado ou
Ferreira Gullar desde o seu "Minha
Experiência em Brasília", de 1961.
Mas nem tudo se repete: em "Minha Arquitetura", Niemeyer surpreende com algumas linhas a mais
reivindicando uma maior influência
sua na resolução final do projeto do
Ministério da Educação e Saúde;
noutro trecho, ele joga mais dúvidas
no ar a propósito da concepção de
Brasília: "pensava, inclusive, que talvez o [Affonso Eduardo] Reidy participasse do concurso" -um episódio nebuloso que jamais será desvendado.
"Meu Método de Trabalho" poderia ser um capítulo especial deste livro, não fosse seu teor ameno se
comparado a algumas considerações que o jovem arquiteto escreveu
em "Minha Experiência em Brasília"
e em textos publicados no final dos
anos 1950 -verdadeiros manifestos
que mudaram os rumos da arquitetura brasileira e que hoje se encontram perdidos nos alfarrábios.
Apesar dos inúmeros livros publicados sobre Niemeyer a partir dos
anos 1950, meu livro de cabeceira sobre o arquiteto é uma edição originalmente preparada pela editora
Mondadori em 1975, simplesmente
intitulada "Niemeyer". "Minha Arquitetura - 1937-2005" segue, em linhas gerais, a estrutura da bonita
edição italiana. O que me agrada no
livro de 30 anos atrás é a profusão de
croquis de próprio punho -sempre
lições de arquitetura- que agora
vêm sendo substituídos por "renderings" de computador ou desenhos
técnicos para publicação.
Naturalmente, a curva e a tecnologia do concreto seguem como protagonistas do discurso do arquiteto.
Mas hoje há de se relativizar essa
mensagem de extraordinária significação na primeira metade do século
20. A curva e o concreto não são
mais revolucionários -vide o reluzente Museu Guggenheim de Bilbao,
de Frank Ghery. Diria também que
João Filgueiras Lima, o Lelé, logrou
conferir nova consistência às curvas
de inspiração niemeyeriana.
Não ousaria dizer, parafraseando a
ironia de Philip Johnson, que Oscar
Niemeyer é o "maior arquiteto do
século 20". Mas graças ao arquiteto
brasileiro sabemos que certos valores na arquitetura têm perenidade,
não têm pátria e nem idade.
Hugo Segawa é arquiteto, livre-docente da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
USP. Autor de "Arquiteturas no Brasil -1900-1990" (Edusp, 2002) e "Arquitectura Contemporánea Latinoamericana" (Gustavo Gili, 2005).
Minha Arquitetura
1937-2005
424 págs., R$250
de Oscar Niemeyer. Ed. Revan (av. Paulo de
Frontin, 163, CEP 20260-010, Rio de Janeiro,
RJ, tel. 0/xx/21/ 2502-7495).
Texto Anterior: + livros: As razões da periferia Próximo Texto: O computador e o analfabeto Índice
|