São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997. |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice JOÃO CABRAL DE MELO NETO O CENTRO DA VISÃO
A história da perda da visão o perturba, ele a constrói: "Eu era diplomata. Escrevia quando havia tempo. Quando voltei de Portugal para o Brasil, quando teria mais tempo para me dedicar à escrita, fiz essa operação e fiquei cego. Meu psiquiatra disse que foi me visitar no hospital e viu que os médicos haviam colocado uma luz fortíssima diante de mim. E eu, inconsciente, não podia meter o braço naquela luz. Queimaram minha retina. Por que usaram essa luz fortíssima? Não sei. Hoje tenho apenas uma visão periférica. Estou lhe enxergando mal, apenas seu vulto. Me desculpe se um dia lhe encontrar na rua e não lhe cumprimentar." No lugar do livro, o rádio se tornou seu companheiro mais fiel. "Todo dia eu ouço na rádio sobre invasões dos sem-terra e rebeliões em presídios. Você ouviu que a visita do Pelé na Inglaterra teve mais repercussão do que a de Fernando Henrique?" Sempre as notícias, nunca a música: "Não sou da música" -e recorda o tempo anterior ao silêncio, quando escrevia: "Escrevia isolado, sem menino fazendo barulho, hoje não me lembro de nenhum poema meu". Onde fotografar o poeta sem escritório? "Não há o que fotografar, não escrevo mais, e, olha, o barbeiro só chega às sete." JOÃO CABRAL DE MELO NETO nasceu em Recife (PE), em 1920. Exerceu funções diplomáticas em Barcelona (Espanha) e outras cidades européias. É autor, entre outros, de "Psicologia da Composição", "O Cão Sem Plumas", "Vida e Morte Severina", "Educação pela Pedra" e "Museu de Tudo". Sua obra poética completa foi editada pela Nova Aguilar. Vive atualmente no Rio de Janeiro (RJ). Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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