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A poesia do palco
Tragédias clássicas de Racine e Corneille, como "Fedra" e "O Cid", são reeditadas em tradução bem-cuidada
MARCIO AURELIO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Estão sendo lançados três volumes de traduções de Jenny
Klabin Segall de importância
incontestável para o teatro,
para a literatura e para as artes em
geral. Um é dedicado a Corneille,
com as peças "O Cid", "Horácio" e
"Polieucto"; e dois volumes são dedicados a Racine, contendo, o primeiro, as peças "Andrômaca" e
"Britânico", e o segundo, "Fedra",
"Ester" e "Atália".
A contribuição importante das
traduções se fez presente em outras
edições anteriores, mas, reunidas no
presente formato, se tornam agora
um privilégio, por possibilitar um
olhar mais abrangente sobre a produção destes dois grandes artistas da
cultura francesa. A oportunidade de
ler essas peças permite visão bastante clara do movimento transformador do conteúdo e da forma em decorrência das mudanças sociais e
políticas em que viveram ambos os
autores, levando-os a outra margem
dentro de sua produção.
Os principais homens de letras do
Brasil prefaciaram edições anteriores de obras traduzidas por Segall,
sempre com elogios. O domínio da
tradutora em várias línguas venceu
barreiras de nacionalidade e nos devolveu em língua portuguesa os
grandes poetas, vigas estruturais do
classicismo francês.
Discurso autônomo
Intelectual e artista de sólida formação humanista, Segall nos proporciona deleite e puro encantamento com o rigor de seu trabalho.
Além das questões técnicas que envolvem a tradução da obra literária
-temos que reconhecer que não
são poucas nem fáceis-, é preciso
acrescentar um aspecto: o de não só
pensar no plano literário mas também no dramático.
Isso é assunto para outro tipo de
especialização. Amplia-se, e muito,
o leque no que diz respeito à cultura
e ao conhecimento.
Sua produção é, sem dúvida, merecedora de elogios e também das
possíveis e questionáveis ressalvas
pelas críticas recebidas anteriormente. São pontos de vista. Ela fazia
suas opções e se responsabilizava
por elas. A tradutora, pela audácia, é
transparente em sua realização, dado o tipo de investimento que pode
ser revelado pelas opções das obras
escolhidas, e que realizou plenamente -servindo para sublinhar a
amplitude da complexa cultura revelada em seu trabalho.
Isso pontualmente colocado nos
leva à necessidade de reforçar o que
também nos parece importante: traduzir para teatro exige outro tipo de
conhecimento e cultura, isto é, que o
tradutor conheça as poéticas a que
estão circunscritas cada obra, sua
concepção enquanto discurso autônomo para uma cena viva e vibrante.
Esse tipo de conhecimento fatalmente levará o tradutor a buscar outros tipos de opção e, no caso em
questão, a opção foi pelo mais difícil,
que é o de conservar o mesmo número de versos e a manutenção da
mesma estrutura formal de ritmo e
rimas.
Dado o grande número de traduções legadas ao teatro, além do francês, traduziu brilhantemente do alemão. Poderíamos dizer que se trata
de trabalho para muitas vidas. Fica
claro que a tradutora, aplicadíssima,
revisou sempre com rigorosas e sistemáticas correções as diferentes
edições que vieram a público, até a
sua morte (1967).
Conhecedora do teatro clássico
francês, era sabedora dos entraves e
dificuldades técnicas no que diz respeito à oralidade de dificílima execução dos textos originais nos palcos.
Para os próprios baluartes do seu
teatro, nos apresenta em suas traduções soluções, ou melhor, interpretações lapidares, nos remetendo a
uma dimensão da poesia cênica onde os valores humanos são apresentados em alta elaboração.
Desenha-nos, cenicamente, possibilidades de sonoridades dramáticas, ritmos e sons da melhor música.
Dos épicos aos detalhes
O teatro está sempre aliado à música do tempo, e isso é de sua natureza
mítica. Retraduzi-lo significa reapropriar-se completamente de conceitos que foram estruturais para serem usados poeticamente como representação da sociedade.
Corneille (1606-84) era advogado
como seu pai. Sua profissão marca o
traço moral para a argumentação de
suas peças. Pensemos no caso das
três peças apresentadas no presente
volume, que nos proporcionam saborear as opções poéticas usadas para compor sua mitologia de heróis,
uma obra apaixonada e moralista.
O Racine (1639-99) apresentado ao
Brasil pela tradutora está configurado em dois momentos de sua produção e que se revelam muito diferentes; o primeiro é ligado à mitologia
antiga e, o segundo, ao lirismo bíblico. A título de curiosidade, mas que
pode ser reveladora da transformação da realidade, observemos os nomes dos protagonistas destas peças e
veremos, de um autor para o outro, a
mudança de nomes masculinos para
femininos.
Do mundo épico para o mundo
dos detalhes. A história nos auxilia
na compreensão do fenômeno.
A tradução destas obras, trabalho
hercúleo, representa um grande legado em língua portuguesa. Revela o
caráter de tão nobre personalidade.
Seu acervo pessoal planta a base estrutural da montagem do maior
Centro de Documentação em Artes
Cênicas de São Paulo e talvez do Brasil. Este leva seu nome, e se encontra
na iminência de desaparecer.
Que o ressurgimento das reedições
do trabalho de Jenny Klabin Segall
sirva como alerta para a preservação
também deste patrimônio da cultura brasileira.
Marcio Aurelio é diretor teatral e professor
na Escola de Comunicações e Artes da USP.
Andrômaca/Britânico
188 págs., R$ 29,80
de Racine. Trad. Jenny Klabin Segall. Martins
Fontes (r. Conselheiro Ramalho, 330, CEP
01325-000, SP, tel. 0/ xx/11/ 3241-3677).
Fedra/Ester/Atália
274 págs., R$ 37,50
de Racine. Tradução de Jenny Klabin Segall.
Martins Fontes.
O Cid/Horácio/Polieucto
298 págs., R$ 42,50
de Corneille. Tradução de Jenny Klabin Segall. Martins Fontes.
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