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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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"Herdeiros de Lênin" analisa as metamorfoses por que tem passado a política na Rússia desde o colapso da União Soviética

NACIONAL POR SUBTRAÇÃO

Jorge Grespan
especial para a Folha

Ao contrário do que muitos imaginam, o colapso da União Soviética não significou o fim dos ideais comunistas na própria Rússia. É o que nos conta, muito oportunamente, o novo livro de Angelo Segrillo, "Herdeiros de Lênin". Trata-se de um texto importante para compreender a história recente, concentrando-se nos acontecimentos da década de 1990 da Rússia de Boris Ieltsin e de Putin. A contemporaneidade aumenta o interesse do livro, pois a narrativa e a análise colocam em ordem as lembranças nítidas, mas talvez esparsas, que todos temos daqueles fatos, acompanhados atentamente por meio da imprensa.
O texto retorna à época de Mikhail Gorbatchov, no final dos anos 80, para mostrar que já na perestroika começavam a surgir distintas correntes e tendências políticas dentro do próprio Partido Comunista da União Soviética. E foi justamente delas que emergiram as várias agremiações socialistas existentes até hoje.
Com o golpe de Estado de agosto de 1991, cujo fracasso determinou o fim do grande partido oficial, tais correntes foram liberadas dos entraves anteriores e puderam se organizar de modo independente.
Esta situação configura a encruzilhada política atual da Rússia: se a multiplicação das vertentes ocorrera dentro do antigo PCUS, demonstrando que ele não era tão monolítico quanto se acreditava, por outro lado os atuais partidos comunistas ainda se vinculam com mais ou menos intensidade ao ideário e às práticas anteriores.
Até o mais importante deles, o Partido Comunista da Federação Russa, pelo qual Ziuganov disputou e quase ganhou as eleições presidenciais de 1996 e 2000, é ambíguo nesse ponto, criticando o stalinismo, mas adotando o nacionalismo que caracterizava o projeto de "socialismo em um só país". Outros menores chegam a defender Stálin e a querer restaurar pura e simplesmente a União Soviética.
Talvez seja o texto de Segrillo que pinta por vezes, e quem sabe involuntariamente, um quadro muito negativo desse impasse. Contudo ele também deixa entrever possibilidades de solução. Ao descrever as peripécias vividas por todos esses partidos, desde a crise entre Ieltsin e o Parlamento, em outubro de 1993, até as mais recentes eleições presidenciais, ele mostra como vem ocorrendo um aprendizado político.
Assim, se a princípio não havia grande novidade no novo comunismo russo, ainda preso a velhas fórmulas, algo realmente original pode estar surgindo lá pela força das circunstâncias. A bandeira nacionalista está agora nas mãos de Putin, de modo que a esquerda deverá partir para uma alternativa real ou perder-se.
Essa me parece ser, de certa forma, a conclusão essencial do livro. Sobre ele, é bom advertir o leitor a respeito de alguns problemas de revisão e também que a grande quantidade de informações e siglas de partidos, algumas conforme o nome em russo, podem cansar, especialmente no começo. Mas ele engrena a seguir uma narrativa inteligente, que envolve até pela importância do tema. Tratando-se de uma história que termina nos dias de hoje, seu ponto final não é realmente um fim, mas uma possibilidade, uma esperança, um imperativo à ação. Por tudo isso, a leitura de "Herdeiros de Lênin" torna-se indispensável.


Herdeiros de Lênin
146 págs., R$22,00

Jorge Grespan é professor de história da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor de, entre outros, "O Negativo do Capital" (ed. Hucitec).


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