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"Herdeiros de Lênin" analisa as metamorfoses
por que tem passado a política na Rússia
desde o colapso da União Soviética
NACIONAL POR SUBTRAÇÃO
Jorge Grespan
especial para a Folha
Ao contrário do que muitos imaginam, o colapso da União Soviética
não significou o fim dos ideais comunistas na própria Rússia. É o que
nos conta, muito oportunamente, o novo livro de Angelo Segrillo, "Herdeiros de Lênin". Trata-se de um texto importante para
compreender a história recente, concentrando-se nos acontecimentos da década de
1990 da Rússia de Boris Ieltsin e de Putin. A
contemporaneidade aumenta o interesse
do livro, pois a narrativa e a análise colocam
em ordem as lembranças nítidas, mas talvez esparsas, que todos temos daqueles fatos, acompanhados atentamente por meio
da imprensa.
O texto retorna à época de Mikhail Gorbatchov, no final dos anos 80, para mostrar
que já na perestroika começavam a surgir
distintas correntes e tendências políticas
dentro do próprio Partido Comunista da
União Soviética. E foi justamente delas que
emergiram as várias agremiações socialistas existentes até hoje.
Com o golpe de Estado de agosto de 1991,
cujo fracasso determinou o fim do grande
partido oficial, tais correntes foram liberadas dos entraves anteriores e puderam se
organizar de modo independente.
Esta situação configura a encruzilhada
política atual da Rússia: se a multiplicação
das vertentes ocorrera dentro do antigo
PCUS, demonstrando que ele não era tão
monolítico quanto se acreditava, por outro
lado os atuais partidos comunistas ainda se
vinculam com mais ou menos intensidade
ao ideário e às práticas anteriores.
Até o mais importante deles, o Partido
Comunista da Federação Russa, pelo qual
Ziuganov disputou e quase ganhou as eleições presidenciais de 1996 e 2000, é ambíguo nesse ponto, criticando o stalinismo,
mas adotando o nacionalismo que caracterizava o projeto de "socialismo em um só
país". Outros menores chegam a defender
Stálin e a querer restaurar pura e simplesmente a União Soviética.
Talvez seja o texto de Segrillo que pinta
por vezes, e quem sabe involuntariamente,
um quadro muito negativo desse impasse.
Contudo ele também deixa entrever possibilidades de solução. Ao descrever as peripécias vividas por todos esses partidos, desde a crise entre Ieltsin e o Parlamento, em
outubro de 1993, até as mais recentes eleições presidenciais, ele mostra como vem
ocorrendo um aprendizado político.
Assim, se a princípio não havia grande
novidade no novo comunismo russo, ainda
preso a velhas fórmulas, algo realmente original pode estar surgindo lá pela força das
circunstâncias. A bandeira nacionalista está
agora nas mãos de Putin, de modo que a esquerda deverá partir para uma alternativa
real ou perder-se.
Essa me parece ser, de certa forma, a conclusão essencial do livro. Sobre ele, é bom
advertir o leitor a respeito de alguns problemas de revisão e também que a grande
quantidade de informações e siglas de partidos, algumas conforme o nome em russo,
podem cansar, especialmente no começo.
Mas ele engrena a seguir uma narrativa inteligente, que envolve até pela importância
do tema. Tratando-se de uma história que
termina nos dias de hoje, seu ponto final
não é realmente um fim, mas uma possibilidade, uma esperança, um imperativo à
ação. Por tudo isso, a leitura de "Herdeiros
de Lênin" torna-se indispensável.
Herdeiros de Lênin
146 págs., R$22,00
Jorge Grespan é professor de história da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor
de, entre outros, "O Negativo do Capital" (ed. Hucitec).
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