São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003 |
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Tendo como pano de fundo a ocidentalização do país no século 19, "O Botão de Púchkin" investiga as circunstâncias em que morreu um dos grandes nomes da literatura russa Rubens Figueiredo especial para a Folha
Depois que a bala entrou em seu
abdômen, Púchkin (1799-1837)
ergueu a pistola e disparou. Seu
oponente no duelo pôs-se de lado, protegeu o peito com o braço e assim,
mesmo ferido, salvou-se.
A agonia de Púchkin durou dois dias.
Mas a morte, tão vã, do poeta equivalente, para a Rússia, ao que foram Dante,
Camões ou Shakespeare em suas línguas, tornou-se um trauma cultural que
até hoje reclama explicação.
Movida por essa inconformidade, Serena Vitale, professora de russo na Universidade de Pavia, na Itália, examinou
[em "O Botão de Púchkin"] um número
impressionante de documentos da época: cartas, diários, memórias, relatórios
da polícia secreta, despachos diplomáticos. Cruzou todos os dados, submeteu-os a um escrutínio infatigável e reavaliou
a bibliografia acumulada sobre o tema,
em busca de um culpado e de algum sentido. Vitale conseguiu rastrear os descendentes de George d'Anthés -o assassino de Púchkin- e, no sótão de uma casa
em Paris, encontrou, em 1989, um maço
de cartas até então ignoradas. Escritas
por D'Anthés e dirigidas ao barão Heekeren, embaixador da Holanda na Rússia, as cartas abrangem o período que antecedeu o duelo. O jovem francês ingressara pouco antes na Cavalaria da Guarda
do czar e o barão holandês o adotara como filho. Como se suspeitava, fica provado que a relação entre eles era de caráter
homoerótico: "Quando o senhor voltar a
São Petersburgo, estarei inteiramente
em forma para abraçá-lo e apertá-lo em
meus braços até fazê-lo gritar".
As cartas mostram também como isso
não impedia D'Anthés de assediar a jovem esposa de Púchkin. Celebrada como
a mulher mais bela dos salões de São Petersburgo, Natália era objeto das atenções do próprio czar e, a julgar pelas cartas que Púchkin lhe mandava, não sabia
portar-se com prudência: "Tu te alegras
com que os cães te sigam como uma cadela no cio, balançando o rabo". O poeta,
por sua vez, mantinha um caso com uma
das duas irmãs da esposa, enquanto a
outra irmã, para complicar ainda mais,
acabou casando-se com o próprio D'Anthés. O atrito entre ambos culminou com
um derrame de cartas anônimas que
zombavam de Púchkin, "o corno", e o levaram ao duelo.
O botão de Púchkin 420 págs., R$45,00 Rubens Figueiredo é escritor e tradutor. É autor de, entre outros livros, "Barco a Seco" e "As Palavras Secretas" (Companhia das Letras). Texto Anterior: + livros: NACIONAL POR SUBTRAÇÃO Próximo Texto: Formas fixas, tensões múltiplas Índice |
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