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Ponto de fuga
Como era gostoso o meu alemão
Jorge Coli
especial para a Folha
Não importa que as índias e índios, no "Hans Staden", de Luiz Antonio Pereira, pareçam ter saído da
calçada de Ipanema. O aspecto físico
nada aborígine é absorvido pelo tom
justo que o filme encontrou. O diretor disse que "Hans Staden" segue
com fidelidade a narrativa do viajante alemão, buscando gestos e
adornos corporais exatos, reconstituindo, com autenticidade, a língua
dos índios, tal como era falada naqueles tempos remotos. Apenas, autenticidade e exatidão, em arte, não
podem ser levadas a sério como os
instrumentos de uma verdade histórica, daquilo que "realmente" era ou
aconteceu. Autenticidade e exatidão
servem para definir os limites de um
jogo rigoroso instaurado pelo artista, parâmetros que conduzem e estimulam a invenção criadora. No caso
de "Hans Staden", o jogo deu certo.
Pela reconstituição, chegou-se à outra verdade. Luiz Antonio Pereira
atingiu o cerne daquelas aventuras.
Tudo é filtrado pelas relações angustiadas do prisioneiro, ao negociar
com os índios, dia a dia, sua própria
sobrevivência. A câmara capta a natureza imensa, úmida, sombria, os
verdes saturados pelas brumas. Os
selvagens, de pele escura, integram-se nela como habitantes naturais
que são. Staden, nu como um verme, branquíssimo germânico, é ali
um corpo estrangeiro e frágil. O
olhar do cineasta sabe fazê-lo vulnerável. O Brasil de Staden e do filme
não é um paraíso acolhedor. É um
confronto difícil entre culturas, na
singularidade dos sentimentos.
Antropofagia - A comparação do
filme "Hans Staden" com "Como
Era Gostoso o Meu Francês", de Nélson Pereira dos Santos, torna-se inevitável por várias razões. Este observava os acontecimentos com certa
neutralidade fria e um pouco distante. "Staden", ao contrário, deixa
sempre presente a humanidade contraditória dos personagens. Nunca a
esvazia pela análise, nunca a reduz
pelo gesto mais exaltado ou heróico.
Ao tratar seus personagens de perto,
que se adivinham e se enfrentam,
"Staden" lembra "A Descoberta do
Brasil", de Humberto Mauro. Ambos exploram bastante uma atmosfera confinada, aproximando os seres, reforçando laços invisíveis.
"Hans Staden", felizmente, não possui nada de didático. Mas deveria ser
mostrado nas escolas: ele permite
intuições muito diversas e nada simplificadas, que ajudam a aguçar a
percepção sobre aqueles tempos primeiros da colonização no Brasil.
Gogó - Depois do volume consagrado à "Ópera na França", Lauro
Machado Coelho lança "A Ópera
Barroca Italiana". É uma empreitada de fôlego, não muito comum nestas nossas paragens: 14 tomos previstos no total, concentrando, de
maneira séria e sintética, informações essenciais sobre a história do
gênero. O autor não pretende discutir as classificações mais tradicionais, por geografia ou estilo; ao contrário, reforça-as, oferecendo um
percurso muito claro, traçado por
uma evidente paixão. Ao lado dos
nomes maiores, são incorporadas
muitas menções a compositores
menos conhecidos. Como tudo isso
é vazado numa escrita clara e tranquila, o resultado são livros de referência fundamentados, que se lêem
com prazer.
Home - Um crítico francês, nos
"Cahiers du Cinéma", escreveu que,
com os DVD, há o risco de se acabar
gostando de um filme ruim por causa das imagens: de fato, elas possuem uma beleza cristalina. As fitas
de vídeo são um Ersatz pobre e efêmero do cinema. Com o DVD, recuperam-se nuanças no branco e preto, a vivacidade no colorido. Outro
crítico diz: "O DVD faz avançar nossa relação com o filme como a reprodução em cores o fez para a pintura", permitindo exame de detalhe
em recortes precisos. Pode-se navegar no interior de um filme, escolhendo cenas favoritas, de um modo
bastante "interativo", como na leitura da "Rayuela", de Cortázar.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:coli20@hotmail.com
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