São Paulo, Domingo, 23 de Maio de 1999
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Para o sociólogo Ulrich Beck, a brasilização ou feminilização do trabalho é o futuro do Ocidente na atual Sociedade Global de Risco
Sociedade de risco

JOSÉ GALISI FILHO
especial para a Folha, em Munique

"O futuro da Sociedade do Trabalho já pode ser observado no Brasil. A indesejável consequência da utopia neoliberal do livre mercado é a "brasilização" do Ocidente", afirma o sociólogo alemão Ulrich Beck, 55, na abertura de seu último livro, "O Admirável Mundo Novo do Trabalho". Beck é chefe do Instituto de Sociologia da Universidade de Munique e professor titular na London School of Economics, dirigida por Anthony Giddens. O volume, publicado na Alemanha ("Schöne neue Arbeistwelt", Campus, 36 marcos), lança uma plataforma conceitual para políticas de combate ao desemprego em massa na Europa.
A tese da "brasilização do Ocidente" é o fio condutor de uma análise sobre o fim da própria sociedade do trabalho e do pleno emprego, apontando para uma ruptura no interior do processo de modernização. A metáfora de Beck não se aplica diretamente ao contexto brasileiro, mas procura repensar a identidade européia dilacerada entre limpeza étnica, fundamentalismos e desemprego explosivo, que não se consegue mais administrar politicamente.
Beck aponta um dado alarmante: em dez anos ou menos, apenas um entre dois trabalhadores hoje ocupados na Alemanha terá uma vaga durável assegurada, e o outro trabalhará em "condições brasileiras", ou seja, à margem de qualquer sistema previdenciário, como "nômade" ou fantasma do mundo do trabalho.
As crescentes flexibilização e erosão do trabalho regulamentar são também compreendidas por Beck como uma "feminilização", termo sinônimo de brasilização.
"Estamos convivendo com dois modelos de pleno emprego, os quais devem ser distinguidos com muito cuidado", explica Beck. "Um é o do Estado de Bem-Estar Social, modelo que previa, além do pleno emprego, seguridade social, plano de carreira para a classe média e estabilidade no trabalho. O outro modelo é o que chamamos de emprego frágil ou flexível, que implica carga horária variável, atividades de meio turno e contratos temporários, nos quais as pessoas desempenham vários tipos de trabalho ao mesmo tempo. As mulheres sempre trabalharam desse modo ao longo da história, e assim trabalha a maioria das pessoas nos países "subdesenvolvidos". É o que nós, ocidentais, poderíamos chamar de feminilização ou brasilização do trabalho. Tal como aconteceu com a família, a exceção está se tornando regra. Por que aceitamos a pluralização da família, mas não a do trabalho?"
A análise desenvolvida em "O Admirável Mundo Novo do Trabalho" pressupõe o que se convencionou chamar de paradigma da Modernização Reflexiva e o conceito de Sociedade de Risco, categorias criadas por Beck e Giddens para designar a internacionalização crescente dos riscos e interdependências do novo sistema mundial. Se o Primeiro Moderno estava centrado no Estado nacional regulador, no desenvolvimento econômico, na linearidade dos conflitos de classe e na burocratização, o Segundo Moderno nasce sob o signo da erosão da sociedade do trabalho e do pleno emprego.
O que Beck afirma é que o Brasil é o modelo por excelência da Sociedade de Risco, uma imagem que permite uma aproximação mais precisa com uma realidade mundial em rápida transformação, o que não é mais possível dentro da "gaiola conceitual" do pensamento europeu, ainda impregnado pela linearidade do Primeiro Moderno.
Uma ressalva importante, enfatizada por Beck: o "teorema da brasilização" não deve servir a uma nova forma, invertida, de "universalismo", não menos ilusório, e restabelecer uma tendência geral de desenvolvimento da modernização, dessa vez apoiado na informalização do trabalho. Segundo ele, isso seria um equívoco gritante, pois os contextos da Europa e da América Latina determinam sentidos completamente distintos para o trabalho informal.



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