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"Sentido da Realidade" reúne textos do pensador político Isaiah Berlin
Paixão pelo equilíbrio
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Pensador político, historiador
das idéias, teórico desencantado e
liberal, sir Isaiah Berlin morreu no
ano passado, aos 88 anos, cercado
de grande respeito no mundo acadêmico anglo-saxônico. Nos Estados Unidos acaba de sair uma biografia de Berlin, escrita por Michael Ignatieff, e editam-se suas
célebres conferências sobre "As
Raízes do Romantismo".
No Brasil, algumas de suas obras
mais importantes já foram traduzidas: "Pensadores Russos", "Limites da Utopia" (Companhia das
Letras), "Quatro Ensaios sobre a
Liberdade" e "Vico e Herder"
(Editora da UnB).
Este "O Sentido da Realidade"
reúne textos de conferências, algumas transcrições de palestras
radiofônicas e um longo verbete
de enciclopédia sobre as teorias do
socialismo. Para falar com franqueza, o livro acrescenta pouco à
obra de um autor que, embora
muito citado e influente, não é dos
mais indispensáveis.
Como sempre, Berlin expõe suas
idéias com clareza; sua celebrada
"sabedoria" afasta-o de teorizações complexas, contendo um
permanente apelo à consideração
pouco exaltada da empiria, do
"realismo político" e da falibilidade da natureza humana.
Adversário das grandes utopias
políticas, das tentativas de criar
um "mundo novo" e das explicações unilaterais do desenvolvimento histórico, Berlin não se
cansa de apontar o quanto as
"certezas" de revolucionários e
reformadores sociais terminaram
inspirando os massacres e horrores do totalitarismo.
O primeiro ensaio do livro traz
ruminações sobre a diferença entre ciências históricas e ciências
naturais -tema tornado clássico
desde Windelband e Rickert no século passado. O historiador, como
o romancista ou o homem sensato
em sua vida cotidiana, não faz uso
de generalizações, de leis científicas para dar conta das particularidades, das surpresas, das circunstâncias do passado. Quem se limita a fatos e a generalizações deixa
de lado "uma vasta quantidade de
pequenas cores, aromas e sons
evanescentes em constante alteração, e os equivalentes psíquicos
destes, as minúcias de comportamento, pensamento e sentimento
meio observadas, meio inferidas,
meio contempladas... demasiado
delicadas e indiscrimináveis umas
das outras para serem identificadas, nomeadas, ordenadas em linguagem científica neutra".
Esse elogio do insight, essa algo
amarga degustação da empiria,
tem uma consequência política no
pensamento de Berlin. Os líderes
"sistematizadores" e dogmáticos
-Robespierre, Lênin, Hitler-
tentam fazer o mundo conformar-se à teoria, o que redunda em
opressão. Outro tipo de estadistas
-Bismarck, Napoleão, César-
dispõe de habilidade, flexibilidade, senso de timing: coisas que não
são sistematizáveis cientificamente.
As simpatias de Berlin se inclinam, então, para as raposas do
pragmatismo político. Trata-se, é
claro, de uma correta resposta aos
totalitarismos do século 20. Mas,
nesse ponto, Berlin paga o preço
de sua própria circunstância histórica. Pois dificilmente poderíamos considerar o caso de Napoleão ou de Bismarck como exemplos de sadia tolerância liberal.
Há, creio, quase tanta violência
em não alterar o mundo quanto
em querer revolucioná-lo. E Stálin, por mais que se valesse da
mais dogmática versão do marxismo-leninismo, não teria por que
não ser considerado uma "raposa", na tipologia de Berlin.
Mas o importante era minar o
marxismo, com elegância, erudição e nenhum tom panfletário. O
segundo ensaio, "Discernimento
Político", insiste nas teses do primeiro -que, aliás, pouco altera as
considerações do primeiro capítulo de "Limites da Utopia".
"Socialismo e Teorias Socialistas" expõe, em 50 e poucas páginas de álgida neutralidade, as
idéias de Babeuf, Fourier,
Saint-Simon, Marx e outros. Pode
ser útil em currículos universitários, assim como seu derivado,
"O Marxismo, Marx e a Internacional no Século 19".
"A Revolução Romântica" atribui a Kant, Fichte, Schelling e
Schiller a criação de "algo completamente novo na consciência
européia": a idéia de que valores
morais, ideais e fins não são objeto
de descoberta e investigação filosófica, mas criações autônomas,
invenções necessariamente em
conflito umas com as outras. É o
tema weberiano, que num misto
de alarme e simpatia Berlin aplica
à filosofia alemã de princípios do
século 19. O exercício se repete, de
modo mais forçado, no ensaio dedicado a "Kant como Fonte Pouco Conhecida de Nacionalismo".
O texto do livro em que se nota
mais vivamente a paixão de Berlin
pelo equilíbrio e o seu talento para
o perfil biográfico é "Engajamento Artístico", que se estende sobre
a obra do crítico literário russo
V.G. Bielínski (1810-1848), já analisado, aliás, em "Pensadores
Russos". Completa o volume um
ensaio sobre o pensamento político do poeta indiano Rabindranath
Tagore (1861-1941).
A OBRA
O Sentido de Realidade - Isaiah Berlin. Organização de Henry Hardy. Tradução de Renato Aguiar. Ed. Civilização Brasileira (av. Rio Branco, 99, CEP
20040-040, RJ, tel. 021/263-2082). 384 págs. R$ 42,00.
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