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Ponto de fuga
O artista e sua sombra
Jorge Coli
especial para a Folha
A recente discussão sobre a autoria de
uma escultura, atribuída a Aleijadinho
(1738-1814) e doada ao Masp pela Pirelli, mostra o caráter espetacular do poder que reside nas atribuições de autoria. É uma velha história. Tem-se uma
obra de época tal. Não se sabe nada a
seu respeito. Alguém, com autoridade
"reconhecida", determina: foi feita por
fulano. Outra autoridade vem e nega.
A atribuição é importante para a história das artes; ela permite afinar, chegar perto de um autor, de seu ateliê, de
seu círculo. Nesse campo, cortar com
nitidez, afirmando, por exemplo, se se
trata ou não um Aleijadinho, deixa de
ser a inquietação mais importante. Na
verdade, o historiador sabe que lida
com hipóteses, com imprecisões. Mas
dar um nome -ah!, dar um nome!- é
uma exigência maior para o mercado
das artes. Como uma assinatura num
cheque, ela precisa ter fundos. Se for de
Aleijadinho, vale US$ 350 mil. Não sendo, vale US$ 80 mil. Isso, de fato, não altera a obra, que continua a mesma. Altera o endosso exigido pelo mercado:
pode-se brincar com arte, mas não com
dinheiro.
O laudo sobre a escultura do Masp
nega a ela as "qualidades habituais do
artista que sempre causam impacto no
espectador -vida, alma, emoção, unidade, força de comunicação". Não se
trata, portanto, de critérios objetivos: é
uma subjetividade autorizada que fala.
A escultura poderá ser do Aleijadinho
segundo uma densidade emotiva. Ou
seja: a autoridade acaba parecendo um
contador geiger. Se sua refinada emoção aumenta perto da obra, ah! está claro, é um Aleijadinho!
Convenções - Os mais prudentes sabem que os catálogos de certos artistas
-isto é, as listas completas de suas
obras- são como sanfonas. Podem
aumentar ou diminuir, segundo tendências de épocas sucessivas. Os critérios de percepção, em parte objetivos,
em parte muito circunstanciais e datados, mudam. O que causa emoção agora, pode muito bem ser indiferente para
gerações futuras. Essa consciência põe
em sadia dúvida parâmetros hoje convincentes. Mais ainda, permite desconfiar do poder conferido à autoridade
competente. Esse poder é imenso; num
certo sentido, é o de uma co-autoria.
Mas, para tanto, exige-se adesão e confiança, porque ele se baseia, antes de
tudo, numa convicção.
2 - Hitchcock foi lembrado, com pertinência, a respeito de "Missão Impossível 2", dirigido por John Woo. Em várias situações, o filme refere-se ao mestre do suspense. Mas há uma outra derivação, vinda do "Arsène Lupin", criado por Jacques Becker em 1957, obra-prima requintada e um pouco secreta.
John Woo o cita ao pé da letra: a descoberta da jóia num compartimento secreto do banheiro de um magnata.
Mesmo a reviravolta que conclui a sequência -é melhor devolver o colar
do que roubá-lo- estava no "Arsène
Lupin". Sem contar a multiplicação de
máscaras, falsos personagens que caracterizavam também o universo do
"ladrão de casaca".
Essas referências concordam com a
escolha de John Woo por um cinema à
velha moda, feito menos de violência
do que de nuances, em que se insere,
magnificamente, a dimensão melodramática. Thandie Newton, injetando
em si própria o vírus, aguardando pelo
antídoto, é como Julieta ao beber seu
narcótico. Diante de um penhasco, ela
parece além da morte, doente de amor.
Woo encontrou um ritmo no qual introduz, sem insistência, suas obsessões: combates em câmara lenta, revoadas de pombas, imagens religiosas.
Há uma beleza calmamente erótica,
sobretudo nos contatos de pele, escura
e clara, dos dois protagonistas.
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Lábios - Anda circulando uma nova
cópia de "Ascensor para o Cadafalso"
(1957), de Louis Malle (1932-1995). A
poesia intensa do filme nasce de uma
época na qual, de Antonioni a Walter
Hugo Khoury, vivia-se a modernidade
como um "spleen" de coisa velha.
Jeanne Moreau, então com 29 anos, era
divina, errando por Paris, depois do
pôr-do-sol.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:coli20@hotmail.com
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