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A história social dos clubes
PETER BURKE
Para muitas pessoas hoje a palavra
"clube" está relacionada a exclusividade e às elites, especialmente
na Inglaterra, onde uma parte de
Londres (ao redor de Pall Mall) ainda é
conhecida como "Clubland" e onde ainda vicejam clubes tradicionais como o
Athenaeum, o Reform, o Travellers e o
Garrick. Poder-se-ia dizer que os clubes
são exclusivos por definição, já que são
associações voluntárias com o direito de
rejeitar, assim como de admitir, novos
sócios. Igualmente, uma análise de sua
história sugere que os clubes têm ao
mesmo tempo um aspecto democrático
e um aristocrático. De fato, os clubes fizeram uma importante contribuição para
a democracia, assim como para o Iluminismo e a modernização.
Associações voluntárias não são uma
instituição unicamente ocidental, como
nos lembram os exemplos das sociedades secretas da África Ocidental e da China, mas foram extremamente importantes no Ocidente, especialmente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Elas foram especialmente importantes nos séculos 18 e 19, embora suas raízes sejam
muito mais antigas, remontando pelo
menos ao final da Idade Média.
Nos séculos 14 e 15, um importante papel na vida social da cidade européia cabia às guildas, não apenas as "guildas de
artesãos", ancestrais dos modernos sindicatos, mas também as guildas religiosas ou "confrarias".
As confrarias eram associações voluntárias de cidadãos (principalmente homens, mas não exclusivamente) que
promoviam a solidariedade ou a fraternidade entre os membros, comendo e
bebendo juntos, participando de funerais, assim como caminhando em procissão através da cidade na festa do santo
padroeiro da associação.
Na Europa católica as confrarias desse
tipo sobreviveram durante séculos, e algumas ainda existem na Itália e na Espanha, por exemplo. Na Grã-Bretanha, por
outro lado, essas fraternidades religiosas
desapareceram durante a Reforma, apenas para renascer sob forma mais laica
nos séculos 17 e 18.
A ascensão dos clubes britânicos foi incentivada pela urbanização, sobretudo
pelo crescimento de Londres, que passou de aproximadamente 50 mil habitantes em 1550 para 1 milhão em 1800. A
cidade cresceu graças à imigração, e os
clubes eram uma maneira de integrar os
recém-chegados à cidade e fazê-los sentir-se mais em casa. Pessoas de diferentes
condados ingleses formaram seus próprios clubes, com festas anuais, enquanto os escoceses, galeses e irlandeses criaram diversas associações.
O crescimento de Londres e outras cidades no século 18 esteve ligado ao surgimento de uma extraordinária variedade
de clubes para pessoas com interesses especiais: clubes de tocadores de sinos, de
debate, de bebida, de música, clubes
científicos, clubes para o aperfeiçoamento da agricultura, para a reforma moral e
assim por diante.
Os clubes políticos surgiram no século
17. O Club Rota discutia idéias republicanas, enquanto o Green Ribbon Club (da
Fita Verde) apoiava o partido "Whig" e
foi muito ativo na campanha que levou à
Revolução de 1688. O esporte não ficou
para trás: o English Jockey Club remonta
a meados do século 18, enquanto os clubes de críquete ingleses e os clubes de
golfe escoceses apareceram mais ou menos no mesmo período.
Qualquer que fosse o objetivo do clube,
a instituição assumia mais ou menos a
mesma forma. Havia reuniões regulares,
geralmente em uma taverna, já que beber junto era um meio importante de
manter a solidariedade ou fraternidade
entre os sócios. A diretoria do clube
-presidente, secretário, tesoureiro e assim por diante- era eleita pelos membros, que também tinham de aprovar as
regras ou a "Constituição" do clube. As
decisões tomadas nas reuniões eram registradas em "minutas", de modo que os
sócios ausentes pudessem saber o que
havia ocorrido. Como disse o sócio de
um clube americano no século 18, os clubes eram "governos em miniatura" ou
pequenos "Parlamentos", oferecendo
um treinamento em cultura democrática, em liberdade, igualdade e sobretudo
em fraternidade.
Esses desenvolvimentos não se limitavam à Grã-Bretanha, é claro. Os maçons,
por exemplo, eram uma entidade internacional organizada em clubes locais ou
"lojas", que deram uma importante contribuição ao Iluminismo. Sociedades para a reforma da agricultura foram fundadas por toda a Europa no século 18, da
Espanha à Rússia. Se os ingleses inventaram o clube político no século 17, os clubes jacobinos da Revolução Francesa
têm um lugar de destaque na história.
As primeiras sociedades científicas incluem os Lincei de Roma, assim como a
Sociedade Real de Londres (ambas ainda
florescentes). Sociedades étnicas incluíam as fraternidades dos franceses,
dos alemães e dos florentinos na Roma
do século 17, com funções semelhantes
às do clube Sírio, do clube Armênia ou
do clube Espanhol em São Paulo hoje e
seus equivalentes em outras cidades, como as sociedades tribais em Lagos, na
Nigéria.
Do mesmo modo, as pessoas mais
"clubáveis" (para usar seu próprio adjetivo revelador) eram os ingleses, seguidos de perto pelos norte-americanos. O
movimento de clubes atingiu seu auge
no século 19 de ambos os lados do Atlântico, quando os pobres fundaram suas
"sociedades amigáveis" e surgiram os
"clubes beneficentes", as "ligas femininas" e os "institutos femininos", e clubes
de elite como o Athenaeum e o Reform
foram seguidos por sociedades com afiliação das massas, como a Sociedade
Real para a Prevenção da Crueldade contra os Animais ou a Sociedade Nacional
para a Prevenção da Crueldade contra as
Crianças.
Essas instituições,
a meio caminho
entre o mundo privado e o mundo público, contribuíram para o surgimento
do que hoje é
chamado de "sociedade civil"
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Foi o mundo anglófono que criou o
modelo da associação voluntária, que foi
amplamente adotado em outros lugares.
O English Jockey Club, por exemplo,
criado para regulamentar as corridas em
Newmarket, foi imitado em Paris (1833)
e nos Estados Unidos (1893), assim como
em Buenos Aires e em São Paulo.
A existência desses clubes, em muitos
dos quais membros de diferentes classes
sociais se encontravam regularmente face a face, ajudou a criar uma cultura mais
democrática do que a até então existente.
Ainda mais importante para a cultura
política foi a disseminação do modelo
constitucional de associação voluntária,
com suas regras, diretoria eleita e assim
por diante. Essas instituições, a meio caminho entre o mundo privado da família
e o mundo público do Estado, deram
uma importante contribuição ao surgimento do que algumas pessoas hoje chamam de "esfera pública" e outras, de
"sociedade civil".
Declínio da democracia
Hoje, porém, os clubes parecem estar em declínio. O crescimento da cidade, que originalmente contribuiu para o surgimento
dos clubes, talvez seja em parte responsável por sua queda, porque as megacidades do mundo atual são tão grandes
que as pessoas de interesses semelhantes
acham difícil reunir-se regularmente. Esse declínio é lamentável, tenhamos ou
não interesse por tocar sinos ou por corridas; pois, por mais estranho que possa
parecer quando o ouvimos pela primeira
vez, o argumento recentemente invocado pelo cientista político americano Robert Putnam é bem fundado.
Putnam sugere que todos devemos nos
preocupar com o declínio dos clubes, da
Itália aos Estados Unidos, porque ele está
ligado ao declínio da democracia. Os objetivos de um determinado clube, por
exemplo, o de incentivar o interesse pelas corridas de pombos, pode não ter nada a ver com política, mas um declínio
geral dos clubes é sintoma de um declínio na disposição de participar da vida
pública ou da cultura democrática. E essa é uma má notícia para todos.
Peter Burke é historiador inglês, autor de "Variedades de História Cultural" (ed. Civilização Brasileira) e "O Renascimento Italiano" (ed. Nova Alexandria), entre outros. Ele escreve regularmente
na seção "Autores", do Mais!.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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