São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2002 |
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Um pensador da cultura
Mario Cesar Carvalho
Como se fosse grande demais para ficar lá, Lucio
Costa (1902-1998) começa a ser resgatado do
cercadinho em que o colocaram e ao qual ele
bem ou mal se conformou: o da arquitetura.
Muito discretamente, como era o seu temperamento,
ele começa a ser visto como um pensador da cultura
que também era arquiteto. A mudança ganhará contornos mais nítidos no seminário internacional que acontece em maio, no Rio, em comemoração do centenário
do arquiteto, nascido em 27 de fevereiro de 1902 em
Toulon, na França, e registrado na embaixada brasileira, como ele gostava de frisar.
O porte dos projetos de Costa talvez explique por que
seu pensamento ficou soterrado sob o concreto. Em
1936, ele liderou a equipe que concebeu o projeto do
prédio do Ministério da Educação e Saúde Pública no
Rio, o primeiro edifício moderno do mundo; em 1957,
venceu o concurso do plano piloto de Brasília, numa escala de planejamento inédita até então.
Ligam as duas obras um projeto de cultura para o Brasil que só agora começa a ser dissecado com a delicadeza requerida pela empreitada. A arquiteta e historiadora
Ana Luiza Nobre, professora de história da arte na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e uma das organizadoras do seminário, acha que a marca do pensamento de Costa é uma obsessão em interrogar o que define a cultura brasileira. Por isso, Ana Luiza o aproxima
do escritor Mário de Andrade: "Mais do que respostas,
Lucio está preocupado em lançar perguntas, em tornar
públicos seus dilemas".
Os imensos hiatos que viriam depois na obra de Costa, segundo Wisnik, já são sinais evidentes de que o descompasso entre arquitetura moderna e um país miserável o incomodava cada vez mais. "O Lucio Costa acaba se tornando o símbolo da contradição da arquitetura moderna num país pobre e periférico. O silêncio dele é muito eloquente porque incomoda todo mundo que está em volta, como se fosse um fantasma. Vem daí a atualidade de Lucio Costa", diz Wisnik. A busca de brasilidade para a arquitetura moderna também deixou herança. A abertura de Costa para a afetividade numa escola que se pautava pelo racionalismo e pela frieza acaba funcionando, afirma Wisnik, como uma crítica à arquitetura moderna e, ao mesmo tempo, uma antecipação do regionalismo crítico. Esse movimento de crítica ao modernismo prega a incorporação de elementos da cultura local à arquitetura, exatamente como defendia Costa. O arquiteto não estava sozinho nessa abertura à afetividade, segundo Wisnik: nesse quesito, sua obra é similar ao sentimento que transpassa a bossa nova. O crítico literário e ensaísta Luiz Costa Lima, professor da PUC do Rio e da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), diz que essa busca de brasilidade não se baseia na exclusão, do tipo "se você não tem olhos amendoados e uma pinta roxa na orelha, então você não é brasileiro". "Ele nunca pensa a brasilidade como essência, mas como uma constante que muda com o tempo. O diálogo com o passado é fundamental em Lucio Costa, mas ele só aparece na medida em que se integra à modernidade", defende. No modernismo brasileiro, ele só vê um paralelo nessa capacidade de não elevar um núcleo à condição de marca de brasilidade: nos textos históricos de Sérgio Buarque de Holanda. Pode parecer um detalhe acadêmico, mas não é, segundo Costa Lima: "Isso tem consequências políticas. Toda vez em que se elege um núcleo como marca de brasilidade, você cria o marginal, o excluído, aqueles que não fazem parte do rol de eleitos". O pensamento de Lucio Costa também teria repercussão nas artes plásticas, segundo Carlos Zílio, artista plástico e professor na Escola de Belas Artes. O concretismo dos anos 50, para Zílio, descende da arquitetura, não do modernismo dos anos 20, considerado conservador pelo artista. "Quem prepara o projeto construtivo é a arquitetura, e o Lucio Costa teve um papel propositor fundamental", afirma. É por tudo isso que o pensador Lucio Costa será a tônica do documentário que o cineasta Geraldo Motta Filho está rodando. A razão é simples, segundo ele: Costa foi o primeiro brasileiro a entender o fenômeno mundial moderno e a problematizar a inserção do Brasil nesse cenário. Texto Anterior: + autores: A história social dos clubes Próximo Texto: Resumo de Lucio Costa Índice |
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