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+ música
B.B. King e Eric Clapton falam de suas afinidades e do CD conjunto lançado recentemente
Os reis da guitarra
Reprodução
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Guitarra Fender "Blackie", de Eric Clapton (à esq.), ao lado de guitarra Gibson "Lucille", de B.B. King |
Pierre Perrone
do "The Independent"
Eric parece minha esposa: consegue me convencer a fazer qualquer coisa."
Eric Clapton, 55, nasceu em Surrey, Inglaterra.
Hoje um artista solo, ele já tocou nas bandas
Yardbirds e Cream. Vendeu cerca de 70 milhões de discos e ganhou 14 prêmios Grammy. Tem uma filha, é divorciado e mora em Londres.
Cantor e guitarrista de blues, B.B. King nasceu Riley
King no Mississippi em 1925. Ganhou o apelido de
"Blues Boy" em 1949 e desde então conquistou oito
Grammies. Vive em Las Vegas e tem vários netos. Recentemente gravou, em parceria com Eric Clapton, o
CD "Riding with the King".
Eric Clapton
Conheci B.B. King em 1967 no café Au
Go-Go, em Nova York. Eu tinha ido assistir ao Blood
Sweat and Tears. B.B. estava tocando perto dali e o vi
passar. Depois da apresentação fizemos uma "jam" até
as três da manhã. Acho que a ligação surgiu pelo nosso
jeito de tocar. Tenho certeza de que ele percebeu que eu
tinha escutado seus discos. Depois disso encontrei B.B.
esporadicamente. Em certos anos o via três ou quatro
vezes, depois passava alguns anos sem encontrá-lo, mas
sempre parecia que não tínhamos nos separado.
Quando ele está tocando na cidade, geralmente apareço. A última vez que improvisamos foi no clube dele,
em Los Angeles. Acho que durou meia hora, mas foi
inacreditável. Tocamos um pouco de Louis Jordan e alguns números de blues tradicional.
Passamos vários anos falando sobre esse álbum ("Riding with the King") e finalmente achamos tempo para gravar. Foi ótimo ver que B.B. confiava em mim,
durante as sessões. Ele dizia: "Se você acha uma boa
idéia, eu topo". Fizemos uma ou duas canções por dia,
quase como nas gravações da velha guarda. Ele me
deu uma guitarra de aniversário. Ainda não a toquei.
Simplesmente pensei: "Essa é sagrada". Algum dia
vou tocá-la, é claro.
Parece que nós sempre tocamos mais do que conversamos. Às vezes a música está pedindo para ser tocada, e eu prefiro começar logo. Mas quando acabamos de gastar essa energia, é hora de fazer perguntas a
B.B. King. Ele tem uma janela interessante para o passado. Eu lhe pergunto sobre assuntos de família ou sobre os músicos de blues que conheceu. Deve-se respeitar o fato de que em geral é melhor deixar B.B. falar sobre o que ele quer. B.B. é capaz de contar histórias o
dia inteiro, e suas piadas sujas estão cada vez piores.
Eu dou bronca nele por causa disso. Tento fazê-lo melhorar sua apresentação.
A aposentadoria é um tema sério, por que o que
mais B.B. poderia fazer? Acho que sua posição talvez
seja a certa. Ele gosta de se manter ocupado. Engordou
muito desde que o conheci, mas seu núcleo é exatamente o mesmo. Se você perguntar de que música ele
gosta, não vai tentar parecer moderno e citar Beck.
Simplesmente diz: "Gosto de blues, é isso".
Para mim, B.B. King é um ser humano muito coerente. Ele tem um nível de confiança, segurança e sabedoria que sempre esteve presente. Sempre causou a
mesma impressão nas pessoas. É um líder de banda
-quando você está com ele, está diante da realeza.
Quando B.B. King entra numa sala, você sente uma
presença poderosa. E acontece uma coisa tribal: todo
mundo tem de encontrar um lugar abaixo dele. Dá para notar isso sem ninguém dizer nada. Eu sou um mero soldado.
Entre nós já existiu um pouco da relação pai-filho,
mas acho que isso se equilibrou um pouco e, se não somos iguais, pelo menos somos colegas, espero. Porque, se B.B. King fosse meu pai, eu ficaria muito mais
intimidado pela relação, e não fico. B.B. é um bom
amigo.
B.B. King
Conheci Eric nos anos 60, em Nova
York. Não demoramos nada para nos entender, simplesmente tocamos juntos. Eu não pensei na cor dele
ou de que país vinha; era apenas um ótimo guitarrista.
Depois disso nos encontramos de tempos em tempos. Ele sempre citava meu nome, e isso abriu muitas
portas para mim, consegui atingir um público maior.
Quando eu precisava de ajuda para um trabalho, ele
sempre estava lá. Eric apareceu quando fiz meu primeiro vídeo. Alguns anos atrás fui convidado para um
show em benefício do Apollo Theatre, em Nova York,
que ia fechar. Ele pegou um avião só para estar do meu
lado, para ajudar e tocar.
Não nos falamos todo mês, mas, quando nos encontramos, ficamos felizes. Certa vez ele me ligou e disse
que ia pescar, não estaria em Londres para assistir
meu show. Achei realmente sincero da parte dele. Entendi o que estava sentindo. Nós trabalhamos muito e,
quando temos uma pausa, queremos fazer o que gostamos e descansar.
"Riding with the King" é um projeto muito especial.
Eu disse ao Eric: "Você escolhe as canções e, se eu discordar, a gente conversa". Não podia me imaginar tocando "Hold on, I'm Coming" ou "Come Rain or Come Shine", mas ele me convenceu. Eric parece minha
esposa: consegue me convencer a fazer qualquer coisa,
até tocar acústico de novo. Não briguei com ele por isso, mas eu não tocava violão desde 1971.
Eric é tímido, e acho que também sou, mas no estúdio de vez em quando a gente se olhava e sentia a alegria do outro, do sorriso. Eu provoco Eric por causa de
sua voz -ele deve ter um pouco de sangue negro em
algum lugar. Damos muita risada. Eu sou um velho safado, estou sempre contando piadas.
Quando ele teve problemas com drogas e álcool, eu
não quis invadir sua privacidade. Quem sou eu para
dizer o que ele deve ou não deve fazer? Mas fico feliz
por ele ter decidido ser como é. Ele está no caminho
certo há bastante tempo.
Quando seu filho Conor morreu, eu não sabia o que
dizer ou fazer. Ainda percebo a dor dele. Eu tive um
neto que morreu e me mantive aberto para Eric, caso
ele sentisse necessidade de conversar.
Nossa amizade parece um ótimo casamento -é só
o que posso dizer. Acho que somos equivalentes, mas
os críticos vão dar um jeito de dizer que é um relacionamento de pai e filho. Eu já era músico antes de Eric
nascer. Mas não penso mais nele como um jovem; é
apenas um igual. Eric é muito talentoso. Na verdade é
um gênio. É o guitarrista de "rock and roll" número
um, e toca blues melhor que a maioria de nós. Ele é um
bom ser humano, uma ótima pessoa. Já ajudou muita
gente. Eu sou uma das pessoas a que ajudou pelo caminho. Para mim é quase um papa. Fico feliz em chamá-lo de meu amigo.
O CD "Riding with the King", de Eric Clapton e B.B. King, saiu no Brasil pela gravadora Warner (R$ 20,00, em média).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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