São Paulo, Domingo, 24 de Outubro de 1999
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HISTÓRIA

Segredos da Stasi



Arquivos de 180 km da polícia secreta comunista guardam pesadelos da ex-Alemanha Oriental

GLENDA MEZAROBBA
especial para a Folha

Dez anos depois da queda do Muro de Berlim, o povo alemão continua acertando suas contas com a história. Prova disso é o paciente trabalho que vem sendo desenvolvido no local que foi o símbolo da repressão política e do clima de terror que dominava o leste da Alemanha até 1989: o complexo da Normannenstrasse.
Nos tempos da Guerra Fria, essa área de 8 hectares e 41 edifícios, situada a alguns minutos do centro de Berlim, era famosa por abrigar o Ministério para Segurança do Estado, a famigerada Stasi -forma abreviada para Staatssicherheit-, a polícia secreta da ex-Alemanha Oriental (DDR).
Hoje, sua notoriedade advém do fato de estar guardada ali boa parte da herança deixada pela mais eficiente máquina de repressão política do mundo comunista. Em suas prateleiras, repousam 180 km corridos de documentos e mais 46,5 km de material filmado, além de 600 mil negativos e quase 100 mil fitas cassetes.
Criada em 1949, a Stasi funcionava como instrumento de força do SED, o partido socialista alemão. Cabia a ela vigiar e oprimir qualquer tipo de oposição ao regime. Utilizando basicamente métodos do serviço secreto, ela violou direitos elementares de boa parte de seus cidadãos.
Considerada o "escudo e a espada" do regime, a Stasi foi polícia política secreta, agência de contra-espionagem, serviço de informação e, muitas vezes, órgão de instrução (judiciária ou policial) em processos criminais. Escapar do controle de seus milhares de oficiais e informantes não era nada fácil. Como mostram as pastas guardadas no arquivo de Berlim, eles estavam por toda parte -no colégio das crianças, nas universidades, nos meios esportivos, nas ruas, nas igrejas e até mesmo dentro de casa. A Folha teve acesso a algumas dessas pastas e relata, a seguir, um pouco do que guarda a memória do regime comunista.

Exército de sombras
Submetidos a um severo regulamento militar, 91 mil oficiais trabalhavam para a Stasi. Eles comandavam um verdadeiro exército de sombras, desempenhando tarefas de caráter conspirativo e organizando prisões ou analisando relatórios. Sob as ordens desses oficiais estavam os 173 mil informantes encarregados de alimentar, com muita intriga, a esfomeada máquina do Ministério para Segurança do Estado.
Cabia à Stasi escolher quem seriam esses informantes. Antes de iniciar a colaboração, cada "candidato" era minuciosamente analisado pelos agentes da entidade. Basta folhear a pasta de um informante para constatar o excesso de zelo, despendido pela Stasi, em seu "processo seletivo". Páginas e páginas eram preenchidas com a descrição da personalidade e do comportamento do informante em potencial.
A pasta da jovem Gudrun Lemke é um exemplo dessa vigilância obsessiva. Preocupada com a situação em um internato de Grevesmühlen, onde havia uma única pessoa para vigiar os 86 alunos entre 15 e 18 anos que frequentavam o colégio, a Stasi tratou de recrutar, ali mesmo, mais um informante. Depois de despertar a atenção dos agentes, Gudrun teve sua vida vasculhada.
Buscando um parecer sobre a garota, os agentes ouviram pessoas ligadas a ela e observaram sua conduta, dentro e fora do internato. No relatório da entidade ela aparece como sendo "uma jovem esforçada, responsável, honesta, camarada, prestativa, que se veste com roupas limpas e tem bons contatos entre alunos e professores". Em resumo: uma exemplar cidadã da DDR, na detalhada análise da Stasi.
Para iniciar suas atividades como informante, o novo colaborador era obrigado a assinar um termo de compromisso. Extremamente sintonizada com o discurso do regime e interessada em cursar uma faculdade de Direito (desejo praticamente impossível de ser realizado, naquela época, sem uma mãozinha oficial), Gudrun, então com 18 anos, não teve grandes dificuldades em se comprometer.
Conforme está arquivado em sua pasta, no dia 18 de novembro de 1971, ela escreveu: "Eu me comprometo, de livre e espontânea vontade, a colaborar com o Ministério para Segurança do Estado e a informar todos os acontecimentos ou coisas que pareçam negativas. Para manter isso em segredo, a partir de agora passarei a assinar meus relatórios como Rosemarie Lehmann".

Inimigos do regime
Conhecidos por IMs ("Inoffiziellen Mitarbeiter"), informantes como a jovem Gudrun foram a principal arma da Stasi na luta contra "os inimigos do regime". No centro de suas atividades estava a vigilância de cada cidadão da Alemanha Oriental. Para responder às necessidades da ditadura do partido socialista, os IMs buscavam informação em todos os âmbitos da sociedade. Os IMs foram os autores da maioria das pastas que estão no arquivo de Berlim -as de capa azul contêm informações gerais sobre cada uma das vítimas. Nas cobiçadas pastas vermelhas, estão os minuciosos relatórios, feitos pelos espiões, sobre essas vítimas.
Além de diligência, de seus informantes a Stasi exigia discrição total. Sem isso, nenhum trabalho progredia. Todos os informantes eram obrigados a manter segredo sobre a vida dupla que levavam. Ninguém, nem mesmo a família do espião, podia saber que se tratava de um bisbilhoteiro. Entre os IMs estavam, além de estudantes e advogados, muitos professores universitários, artistas, médicos, policiais, atletas e outras pessoas ligadas ao mundo esportivo.
Cada um dos informantes se virava como podia para conciliar sua "missão" com a atividade profissional que lhe garantia o sustento. Poucos recebiam dinheiro da Stasi. Alguns obtinham favores, doações ou presentes. Cerca de 50 mil deles não eram muito ativos. Apenas colaboravam com a polícia secreta, permitindo o uso de seus telefones e de seus endereços. A maioria dos IMs atuava na DDR, mas às vezes também era preciso espionar cidadãos da Alemanha Ocidental, o que obrigava o informante a cruzar a fronteira.
O IM Zady, por exemplo, deixou Dresden para trabalhar como professor em Berlim Ocidental, quatro anos depois de assumir o compromisso de colaborar com a Stasi, em 1954. Zeloso mexeriqueiro até as vésperas da falência do regime, ele aproveitou sua estada na outra Alemanha para se infiltrar em organizações consideradas pelo socialismo como "inimigas". Eram essas organizações que lhe garantiam munição suficiente para abastecer a Stasi. Sua lealdade ao regime rendeu-lhe três condecorações.

"Objetos presos"
A rede de "escritórios" da Stasi cobria todo o território da Alemanha Oriental. Em 1989, eram 15 as administrações regionais e 209 os postos de serviços. Além de todo esse aparato, para trabalhar em paz os espiões ainda podiam contar com os KW (Konspirative Wohnungen) e KO (Konspirative Objekte), lugares onde os oficiais de comando se encontravam com seus informantes, os IMs. Os KO eram, em sua maioria, casas pertencentes à Stasi ou por ela administradas, disponíveis a outros objetivos conspirativos. E existiam em todos os lugares. Há dez anos, os fichários da administração regional da Stasi registravam, só na cidade de Karl-Marx, 1.509 KW e 29 KO.
Sem problemas de infra-estrutura e com mão-de-obra excedente, em 1988 a onipresente Stasi se deu ao luxo de colocar 68 informantes ao longo de 120 km de uma única rodovia. Escondidos em postos de gasolina, pontos de ônibus e paradas para descanso, os espiões passaram o ano observando o vai-e-vem de carros e pessoas na região de Halle. Nos 551 relatórios que produziram durante o período, ficaram registrados 265 contatos entre alemães ocidentais e alemães orientais, sarcasticamente chamados nos documentos de "objetos presos".
Também foram relatadas 44 ocorrências de atividades inimigas e 22 casos de contrabando. Oprimidos pela Grande Irmã Stasi, que tudo via e tudo sabia, muitos alemães orientais tentavam deixar o país. Mas, cada vez que isso acontecia, aparecia um IM para registrar tudo. Em 1988, só naquele trecho de estrada os informantes anotaram 140 tentativas de "contrabando de pessoas" ou fuga da DDR.
Os IMs se ocupavam de tarefas muito mais prosaicas na sua "missão" de ajudar o regime a manter a nação sob controle. A julgar pelo que revelam as pastas do arquivo de Berlim, violação de correspondência, por exemplo, era praxe corriqueira.
Aconteceu, inclusive, com o ex-secretário-geral da ONU Kurt Waldheim. Enquanto tentava descobrir qual havia sido a exata participação de Waldheim na Segunda Guerra Mundial, a Stasi acabou "esbarrando" na carta a ele enviada por um professor aposentado, de 83 anos, que vivia na Alemanha Oriental. Não teve dúvidas. Copiou o documento e tratou logo de providenciar um IM para espionar o ancião.
A ordem era impedir qualquer tentativa de contato entre o ex-combatente e Waldheim. Para manter o professor sob estrita vigilância, os agentes da Stasi chegaram a analisar a possibilidade de arregimentar um de seus netos como informante. A idéia era descobrir "o passado e as conexões" do autor da carta -um nostálgico velhinho que se orgulhava de refazer, periodicamente, parte do caminho que o levara de volta à Alemanha, no final da guerra, e que assinava como "aposentado rico e em bom estado".

Frascos de cheiros alemães
Ao controle postal somavam-se outros métodos de dominação. Para registrar o que já mantinha sob vigilância, a Stasi dispunha dos mais diversos tipos de câmaras de vídeos e máquinas fotográficas. Como num filme de James Bond, seus equipamentos estavam sempre camuflados ou escondidos. Em um dos prédios do complexo da Normannenstrasse, agora transformado em museu, é possível constatar que a imaginação dos espiões não conhecia limites. Lá existem gravadores dentro de canetas, câmaras de vídeo escondidas no bolso de uniformes, máquinas fotográficas minúsculas dentro de bolsinhas femininas, caixas de sapatos que faziam fotos e regadores que filmavam tudo.

Durante uma viagem, em 1987, a bordo do Air Force One, Reagan teve todas as suas conversas telefônicas interceptadas por espiões da Stasi

A mania de controle era tão exagerada que os oficiais já nem se surpreendiam quando algum agente avisava que havia conseguido capturar a essência de uma de suas vítimas. Frascos e mais frascos de vidro conservam, ainda hoje, pequenos pedaços de tecidos com o cheiro de alemães orientais. A "essência" era obtida com esfregadelas do tecido na axilas ou nas entrepernas das vítimas -especialmente se elas eram do sexo feminino. Armazenados, esses frascos poderiam facilitar o trabalho de cães na localização e identificação de cidadãos desobedientes. Pelo menos era nisso que acreditava a Stasi.

Toneladas de papel picado
Extremamente produtiva e organizada, como queria seu chefe, Erich Mielke, ministro para Segurança do Estado entre 1957 e 1989, a burocrática Stasi não teve tempo de destruir seus arquivos antes do fim do regime ao qual servia. Seus agentes bem que tentaram, mas o acervo era tão grande que as máquinas só tiveram tempo de consumir 15% de toda a papelada.
Desesperados, pouco antes da derrocada da DDR, oficiais e espiões ainda conseguiram rasgar, manualmente, outras tantas toneladas de papel. O esforço mostrou-se inútil. Os documentos encontrados em cerca de 16 mil sacos de papel picado -cada um contendo mais ou menos 20 kg- estão agora sendo reconstituídos com a ajuda de um programa de computador. Eficiente na tarefa de conspirar, a Stasi falhou ao deixar tantas provas.
Sorte dos pesquisadores. Desde o início de 1992 eles podem vasculhar o arquivo de Berlim e das outras 14 administrações regionais da Stasi à procura de documentos que permitam uma melhor compreensão da história do país.
Gerido pelo ex-pastor Joachim Gauck, encarregado federal para a tarefa que consome 200 milhões de marcos por ano, o acervo vem sendo organizado por 3.000 funcionários. Embora a maior parte das informações não esteja disponível ao público, todas as vítimas têm acesso garantido a suas pastas mediante o pagamento de 10 marcos. Para os IMs, uma olhadela no passado custa um pouco mais caro. O acesso às pastas de um informante não sai por menos de 150 marcos.
Curiosas ou temerosas da ação da Stasi, mais de 1 milhão e meio de pessoas já solicitaram a abertura de seus arquivos. Em 50% dos casos, a preocupação se mostrou infundada, e a curiosidade, inútil. Não havia pastas em nome da metade dos cidadãos que acreditavam ter sido vítimas de vigilância.
Melhor para eles. Porque de tempos em tempos novas descobertas ocupam as páginas dos jornais e causam rebuliço na Alemanha. Foi assim recentemente, quando o país soube que Gisela Oechelhaeuser, atriz e diretora do cabaré Distel, um dos mais tradicionais de Berlim, e ex-chefe do departamento de Cultura da Universidade Karl-Marx, havia colaborado com a Stasi entre 1976 e 1980. Sua missão? Manter contatos com o consulado da Alemanha Ocidental.
Apostando que ela seria capaz de fazer carreira na instituição, para a tarefa, a Stasi arranjou-lhe, inclusive, um telefone. Quando queria passar informações, Gisela apenas ligava para os agentes e dizia: "Vamos nos encontrar na Gerda". Gerda era o nome de um KW em Leipzig. Era nessa casa que ela relatava ao seu superior tudo o que observava a sua volta. Sem pudor, a IM que manteve seu próprio nome como nome de guerra espionou os integrantes de um cabaré amador, descreveu colegas e informou ao regime quando uma amiga reatou seu romance com um soviético.
Gisela viu sua carreira como IM arrefecer depois que começou a namorar o oficial Dietmar Keller. A Stasi não gostou nadinha do fato de ela não ter comentado, com seus oficiais, que estava se relacionando com Keller (mais tarde ele viria a se tornar vice-ministro da Cultura). Dispensada, Gisela ainda teve tempo de se arrepender. Numa visita que fez a Keller, o ex-chefe da atriz observou que ela estava triste e que gostaria de retomar seus contatos com a Stasi.

Incomodar ou destruir
Mexeriqueiros "a serviço da nação", os IMs não pareciam constrangidos ao relatar romances ou aventuras extraconjugais de suas vítimas. Em 8 de abril de 1983, o IM Richter contou à Stasi que Birgitt Ross (1) estava tendo um caso com um "velho francês" que trabalhava em uma fábrica de adubos. Segundo o relato do informante, Ross pretendia se separar do marido, um alto oficial da Marinha alemã que estudava em Moscou, e deixar o país com seu amante. Enquanto isso não acontecia, os dois passavam dias e noites juntos, no apartamento dela, em Rostock, na região do mar Báltico. Repletos de informações como essa, os arquivos armazenam munição suficiente para destruir muitos casamentos e abalar um sem número de reputações.
Guardada a sete chaves, repousa no arquivo de Berlim, por exemplo, uma pasta com transcrições de conversas telefônicas e mensagens de fax de 1989. De conteúdo altamente explosivo, essa pasta conserva o diálogo ainda inédito, mas totalmente erótico, diga-se de passagem, entre um ministro e sua professora de piano.
Aliás, se havia uma tarefa que os IMs sabiam desempenhar bem, essa tarefa era a de se intrometer na vida íntima de um casal. Uma das práticas mais comuns dos informantes era a de mandar cartas a homens e mulheres casados, inventando que eles estavam sendo traídos. Com a ajuda de policiais, que preparavam fotomontagens perfeitas, os informantes implodiam lares.
Dentro da estratégia de "incomodar ou destruir", os espiões da Stasi também enviavam fotos pornográficas aos vizinhos de suas vítimas, quando queriam difamar alguém. Assim, de um dia para o outro, sem se quer imaginar o motivo, a vítima passava a ser hostilizada pelo vizinhos, que acreditavam nas fotomontagens recebidas. Perversas, práticas como essas só foram descobertas e compreendidas pelas vítimas depois da abertura dos arquivos.
Foi também com o acesso à documentação que os alemães orientais conseguiram esclarecer um outro mistério recorrente. Durante anos, muitas das vítimas da Stasi, que ignoravam sua forma de ação, acreditaram estarem ficando loucas. Motivos para isso não faltavam. Para desestabilizar "cidadãos perigosos", os oficiais da Stasi tratavam de confundi-los.
Sem que ninguém percebesse, invadiam suas casas e mudavam um ou outro objeto de lugar. Às vezes, trocavam apenas uma toalha de banho ou o lençol da cama. Intrigada, a vítima, que tinha certeza de estar usando uma toalha azul, por exemplo, não entendia o que a cor-de-rosa estava fazendo ali, pendurada no banheiro. Tática parecida também era utilizada no local de trabalho de cidadãos desobedientes. Para perturbar um burocrata que não estava afinado com os ideais do regime, por exemplo, os homens da Stasi entravam em seu escritório e, na calada da noite, mudavam alguns números do relatório que ele ia apresentar na manhã seguinte.
Pronto. Sem entender o que havia acontecido, o burocrata nunca conseguia uma explicação convincente para dar ao chefe. Em pouco tempo a própria vítima começava a desconfiar de sua sanidade mental.

Comandos assassinos
Competente na missão de controlar sua própria sociedade, a mesma Stasi que infernizou a vida de milhões de alemães orientais também era eficaz na arte de driblar os inimigos do socialismo, mesmo que em terras alheias.
Um único de seus homens, o superespião Markus Wolf, infiltrou mais de mil agentes na Alemanha Ocidental e controlou, durante 25 anos, um espião no coração da Otan. Foi por causa dele que Willy Brandt (1923-1992) teve de renunciar ao comando da Alemanha Ocidental cinco anos depois de tornar-se chanceler. Seu secretário particular, Günter Guillaume, era, na verdade, mais um dos agentes de Wolf. Atacado por sua suposta negligência, Brandt não encontrou outra saída além de abandonar o cargo.
Nos arquivos de Berlim, também não são poucas as pastas contendo relatos de agentes-duplos. Muitos alemães orientais trabalhavam para a Agência Central de Inteligência, a CIA, sob o comando do Ministério para Segurança do Estado. Ousado, um desses agentes, um especialista em máquinas que vivia em Londres seis meses por ano, chegou a repassar à Stasi os US$ 500 mil que recebeu da CIA, por serviços prestados aos Estados Unidos.
Durante 20 anos de vida dupla, ele nunca foi desmascarado pelos norte-americanos. Nas duas vezes em que foi submetido ao detector de mentiras da agência, o espião alemão resistiu bravamente e não deixou escapar sua ligação com o Ministério para Segurança do Estado. Um verdadeiro vexame para o serviço norte-americano de inteligência. Mas não o único.
Com a abertura dos arquivos, descobriu-se que nem mesmo o Air Force One, o avião utilizado pelo presidente dos EUA, passou incólume pela ação da Stasi. Durante uma de suas viagens, em 1987, espiões alemães conseguiram interceptar (e ouvir!) todas as conversas telefônicas de Ronald Reagan a bordo da aeronave.
Nem só de espionagens vivia a Stasi. Quando era conveniente (e muitas vezes foi) seus homens também sabiam torturar e matar. A partir de documentos encontrados em seus arquivos, pesquisadores revelaram a existência de comandos assassinos prontos para atacar não só rebeldes da DDR, mas também inimigos de outros países. Durante 20 anos, 1.044 soldados foram treinados para ações de sabotagem, sequestros e assassinatos. Esses guerrilheiros tinham à disposição até mesmo minibombas atômicas em forma de meias ou panos de limpeza.
Parece muito? Espere então a conclusão dos trabalhos em todos os arquivos da Stasi. Numa passada de olhos pelas caixas, pastas e livros que hoje ocupam algumas salas do bunker onde a elite do regime socialista deveria se refugiar no caso de uma guerra atômica, chama a atenção a grande quantidade de material sobre o nazismo, provavelmente apreendida pelos espiões na casa de suas vítimas.
Em uma espécie de livro de registros, por exemplo, está a relação de quantos judeus foram mortos em diferentes ações, durante a Segunda Guerra. Meticuloso, seu autor relata separadamente o número de homens, mulheres e crianças assassinadas. Além de permitir a compreensão da história recente do país, da Guerra Fria à distensão, a obsessão da Stasi por papéis pode acabar colaborando para novas descobertas sobre o conflito que culminou com a divisão do mundo. De volta ao começo.


NOTA
1. O nome da vítima foi modificado para preservar sua identidade.

Glenda Mezarobba é jornalista e esteve na Alemanha como repórter convidada do jornal "Die Welt", por meio do IJP (Internationale Journalisten-Programme).




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