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Poemas de Dino Campana registram uma vida acidentada
Uma descarga poética
HEITOR FERRAZ
especial para a Folha
A poesia do italiano Dino Campana (1885-1932) é ainda pouco
conhecida no Brasil. Até recentemente, pouca coisa havia em português: algumas traduções publicadas na revista "Azougue", de jovens poetas paulistanos; e um texto da série "Retratos-Relâmpagos", de Murilo Mendes. Murilo
também escreveu um poema em
homenagem ao poeta nascido em
Marradi, província de Florença,
em 1885. Agora, a Lacerda Editores acaba de publicar "Novelas em
Alta Velocidade", com tradução
de Paulo Malta.
A edição lançada é uma primeira apresentação da poética de Dino Campana e traz alguns poemas em prosa pinçados do único
livro que ele publicou em vida,
"Cantos Órficos" ("Canti Orfici").
Sua poesia é apontada por críticos
como integrante do simbolismo
tardio italiano. Mas, ao mesmo
tempo, Campana manteve laços
estreitos com os poetas futuristas,
como Marinetti. Trata-se de fato
de uma poesia bastante afinada
com a modernidade, na qual a velocidade muitas vezes molda a
percepção e a escrita do poeta. A
pequena mostra editada agora é
um bom exemplo disso.
Os poemas são uma espécie de
registro lírico de passagens da trajetória de Campana, que pontuou
sua vida por vagabundagens,
deambulações, prisões e longas
estadas em manicômios. "Estive
alguns meses na prisão. Dois ou
três meses na Suíça, em Basiléia;
por arruaça. Briguei com um suíço: as contusões. Não fui condenado. Tinha parente, me recomendou. Na Itália, preso, e depois
um mês na prisão, em Parma, por
volta de 1902-1903. Estive no manicômio de Imola, do professor
Brugia: estive ali quatro meses. Na
Bélgica, depois de Imola, no manicômio de Tournay, outros quatro meses...", escreveu o poeta. E
assim foi, chegando ainda a passar pela Argentina e Rússia. Acabou terminando sua vida no manicômio de Castel Pulci, em Florença (de 1918 até a sua morte, aos
47 anos).
Nessas perambulações, ele fez
de tudo. Estudou química farmacêutica, foi ferreiro, tocador de
triângulo na Marinha argentina,
porteiro de circo, pedreiro, carvoeiro em navios mercantes, foguista, bombeiro. Campana, enfim, certamente dá motivos para
um bom romance. Mas, como dizia Murilo Mendes, "é preciso resistir à tentação de explorar os arcanos de sua fascinante biografia"
e adentrar os textos dos "Cantos
Órficos". Esse livro foi publicado
em 1914, contendo poemas em
prosa e em versos regulares e livres. Segundo o tradutor Paulo
Malta, uma anotação deixada pelo poeta florentino trazia o desejo
de reunir sua poesia sob o título
dado à atual coletânea em língua
portuguesa. E esse título resume
bem sua poética frenética, construída como notas encadeadas de
um diário de viajante, em alta velocidade.
Campana tinha uma obsessão
pela velocidade dos trens, um tema que aparece em boa parte dos
textos. "Estava no trem em correria: estirado no vagão, sobre a minha cabeça fugiam as estrelas e os
sopros do deserto num fragor férreo", escreveu em "Pampa". Em
outro poema, a recorrência temática leva a uma espécie de decomposição do movimento (assim como no quadro "Nu Descendo
uma Escada", da fase ainda cubista de Marcel Duchamp): "O vapor
das máquinas se confundia com a
névoa: os fios se apensavam e se
reapensavam na penca de argolas
dos postes telegráficos que se sucediam automaticamente".
Segundo Murilo Mendes, Campana atingiu uma lírica baseada
"na energia da palavra, na transposição de ambientes insólitos, na
aliança do realismo e do fantástico, na criação de símbolos extraídos à vida das cidades modernas". A leitura dos poemas de
"Novelas em Alta Velocidade",
em cuidadosa tradução de Paulo
Malta e "nota editorial" de Alexei
Bueno, apresenta um mestre da
moderna escrita fragmentária, de
alta voltagem. Como disse Murilo, em Campana sentia-se "a poesia como se fosse uma descarga
elétrica, um alto explosivo".
A OBRA
Novelas em Alta Velocidade - Dino Campana. Trad. Paulo
Malta. Lacerda (r. Dona Mariana,
205, CEP 22280-020, RJ, tel. 0/xx/
21/538-1406). 79 págs. R$ 10,00.
Heitor Ferraz é jornalista e poeta, autor de
"Resumo do Dia" e "A Mesma Noite".
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