São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005 |
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+ cinema "A Menina Santa" recria a relação homem maduro-adolescente, só que desta vez num mundo desencantado Flores do mal
PAULO GHIRALDELLI JR.
Talvez a novela da Globo, banalizando tudo, tire o clima que tínhamos até bem pouco tempo, que nos fazia ficar horrorizados com o que poderia parecer um incesto. Alguém dirá que isso nem deverá ocorrer por conta da novela, que já assimilamos tal tipo de relacionamento. O segundo "Lolita", de Adrian Lyne, chegou a incomodar? Mas quem entende bem onde "Lolita" de Nabokov mexe vai saber a razão pela qual o genial Pedro Almodóvar recomenda o filme argentino "A Menina Santa" (2004), em cartaz nos cinemas paulistanos. O filme de Lucrecia Martel coloca em cena o dr. Jano (Alexandre Belloso), um médico que, participando de um congresso em um hotel decadente, comete seu erro fatal: em uma aglomeração de rua, encosta propositalmente na traseira da adolescente Amália (Maria Alché). Jano não passa disso com Amália. Mas se envolve com a dona do hotel, mãe de Amália -a insinuante divorciada Helena (Mercedes Morán). A garota não esquece a sutil ocorrência entre ela e Jano e é tomada por desejo sexual. Ao mesmo tempo, vê o que seria seu relacionamento com o médico quarentão como um esperado sinal de vocação religiosa, aprendida de modo confuso em aulas doutrinárias. Jano é casado. Sua família virá visitá-lo ao final do congresso. O filme se desenrola de modo tenso, pois as coisas deverão explodir com a visita, pois tudo indica que Jano vai ser acusado de relacionamento duplo pela mãe da melhor amiga de Amália. Ele aparecerá como tendo seduzido mãe e filha. Sua carreira irá pelos ares, e toda a sua vida. É isso que ocorre? A idéia de Nabokov é aquela contrária a de Rousseau: crianças não são flor que se cheire. Ele mesmo chegou a dizer que "não há nada de mais perverso que uma menina". Jano deverá ser levado ao poço tanto quanto Humbert Humbert, o professor que se envolve com Lolita. Ainda que o "crime" de Jano não tenha, de fato, ocorrido. Porta do inferno Mas a história do filme de Martel não é uma réplica de "Lolita". Ao contrário de "Lolita", a sua história não toma como tema os acontecimentos, mas o que não aconteceu. Não toma o desdobrar pós-desfecho, mas é uma espécie de ante-sala. O filme é como que um preâmbulo para a entrega do livro ao nazista Albert Eichmann. É uma porta de entrada do inferno que, entreaberta, espera o próprio demônio, para horrorizá-lo. Mas nós, sentados na poltrona, não seremos convidados a entrar. Só ele -o Tinhoso. E, é claro, Jano. Mas e Amália? Recebe o fim que Lolita recebeu? Nem de longe. Lolita, ao final, sabemos, é consumida como Emílio. Este não é posto em desgraça no término do romance que leva seu nome, mas já no outro volume, o "Heloísa", aí sim, ele se sai mal. Nabokov é um contestador de Rousseau, mas, ao mesmo tempo, um seu admirador. Sua ninfeta é o anti-Emílio, mas tem um final tão triste e desgraçado quanto aquele. Lucrecia Martel não deixa a sua ninfeta aos sabores de Rousseau. Ela vai por outra via. Toma uma situação quase que pós-moderna, pois nenhuma "natureza humana" é imputada a Amália. Esta não é nem boa nem má. Ela é apenas um alguém que assume um papel de momento: "teenager". Mas isso em uma Argentina sem tango. Onde há trabalho duro, dificuldades e uma vida provinciana que muitos de nós conhecemos bem. Paulo Ghiraldelli Jr., nascido em 1957, é filósofo, autor de "Caminhos da Filosofia" (DPA) e editor da revista norte-americana e européia "Contemporary Pragmatism". Trabalha na pós-graduação da Universidade São Marcos. É casado com Francielle, nascida em 1985. Texto Anterior: + autores: Sobre jogos e dribles Próximo Texto: A invenção da velocidade Índice |
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