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PONTO DE FUGA
Vasos comunicantes
JORGE COLI
especial para a Folha
"Teatro", o último livro de Bernardo Carvalho (Cia. das Letras), possui uma escrita vertiginosa, pulsante e discreta. Esvaziada de efeitos patéticos, ela conduz, no entanto, a uma inesperada afinidade com o mundo órfão dos grandes românticos que foram ao cerne, dando-nos a experiência do sem sentido, do sem sinal. Como eles -como em "Il Trovatore", de Verdi, por exemplo, cujo "plot" poderia ter sido inventado por Bernardo Carvalho-, "Teatro" insiste em que todos os sinais são enganadores e que sua sucessão atordoante encontra uma misteriosa e falsa verdade em cruzamentos repentinos.
Somos lançados na angústia daquilo que não pode ser conhecido, onde certas vozes falam melhor, ou mais sabiamente, do que outras, tentando traduzir, na nossa língua possível, idiomas inconcebíveis. A voz da loucura é privilegiada, ela indica não a ordem das coisas, a verdade dos seres, mas vasos comunicantes entre o que acreditamos guardar em nós e o que pensamos estar do lado de fora, os outros, o "real" -contaminação entre a escrita e o mundo, diz o autor. Pleno e denso como um beijo na boca, sem abandonar a narração compulsiva que nasce dos mistérios, "Teatro" amarra e arrasta o leitor até a última linha.
Porno-star - O diretor William E. Jones realizou, em 1997,
"Finished", não distribuído no
Brasil, filme meditativo sobre
Alan Lambert, um ator pornô
que se suicidou aos 25 anos. Na
segunda parte de "Teatro",
Bernardo Carvalho inventa
um personagem próximo, em
quem o ato sexual mecânico
reveste-se de sacralização e onde o espetáculo da pornografia
-como no filme de Jones- é
capaz de desenvolver uma estranha forma de amor nos fiéis
ao gênero. Mais ainda, a pornografia passa a ser o lugar da
revelação de uma perda essencial, onde o sentido das coisas
se esvai "quando menos se está
preparado para encarar o vazio do mundo".
Casaco de pele - Há tanta elegância na pintura de Siron Franco, tanta finura no traçado de suas
linhas, um prazer tão sentido em
suas matérias ricas e nos acordes
de suas cores, que seus monstrinhos introduzem um delicado sabor irônico quando a inquietação
é degustada. Como se as aberrações desse imaginário repetissem
mesuras aristocráticas para apresentar perversamente sua sedução.
Siron mostra-se sucessor de Pedro
Américo, que retratou Pedro 1º
bradando "Independência ou
Morte". Como se sabe, o general
Figueiredo proferiu uma frase,
também histórica, misturando povo, cavalos e cheiros. No quadro "O
Figueiredo", Siron fez uma
obra-prima de pintura equestre
onde a majestade acéfala pertence
à irrisão e ao pesadelo.
Coisas nossas - Depois de Camille Claudel e outras, a mostra
Siron confirma que o Pavilhão
Manuel da Nóbrega, talvez a mais
feliz arquitetura inventada por
Niemeyer, é, de longe, local perfeito para exposições temporárias em
São Paulo e poderia tornar-se o
Petit Palais brasileiro. Todavia,
pelo que foi divulgado na imprensa, decidiu-se decretar que o edifício abrigará um vago "museu da
criança", também chamado "do
imaginário". Característico projeto "de estalo", fruto de pouca reflexão e de um autoritarismo muito
nosso.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@correionet.com.br
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