São Paulo, domingo, 26 de julho de 1998

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PONTO DE FUGA
A claridade e a cegueira

JORGE COLI
especial para a Folha, na Provença

Há o "grande" festival, criado por Jean Vilar em 1947. Há o festival "off" e o "off" do "off". Há as representações de rua, em todos os cantos e praças: pequenas peças, mímicos, saltimbancos, que não cessam, até muito tarde, na noite. Fortes vibrações no ar e um levíssimo perfume neo-hippie. Avignon é uma cidade mesmo muito divertida durante o mês de julho, quando volta o mais célebre de todos os festivais de teatro.
Uma sensação de desnorteamento diante de tantos espetáculos; algumas exaltações: "Giulio Cesare", a partir de Shakespeare, trazido de Bolonha por Romeo Castellucci; "Le Cid", de Corneille, dirigido pelo inglês Donnellan. Tudo isso à volta da principal produção, que ocorre no pátio solene do Palácio dos Papas, cujo princípio é o de retomar textos fundadores por meio de grandes intérpretes. Neste 1998, o escolhido foi "Édipo Tirano", na versão feita por Hölderlin da tragédia de Sófocles. Montagem não muito inspirada, que deixou o público indiferente, porém atores fortes, e a descoberta de um Édipo vencedor da Esfinge, mas levado à cegueira por ter tentado tudo saber.
Consciência difícil, incômoda, de uma ignorância essencial, da noite definitiva a que somos condenados. São os opostos às irrisórias tentativas de tomar o mito edipiano como explicações para atos, sentimentos e comportamentos humanos, às teorias que buscam analisar a alma. Hölderlin, desconfiado das ambições da ciência iluminista, inventou um Édipo emblemático, que respondeu demais, perguntou demais e que, tarde demais, descobriu a cegueira que sempre carregara em si.

PROSTITUTAS E BURGUESES - "Expressionismo", "Nova Objetividade": o pintor Otto Dix é classificado em rubricas que mais ocultam do que desvendam. De modo geral, sabe-se pouco dele. Alguns manuais reproduzem o retrato que fez da jornalista Sylvia von Harden, espécie de símbolo visual da Berlim dos anos de 1920, e assinalam a presença de suas obras na exposição "Arte Degenerada", que os nazistas organizaram em 1933.
Uma retrospectiva reveladora ocorre agora, na Fundação Maeght, em St. Paul de Vence, com cerca de 200 obras. Dix enfrenta a feiúra do mundo tratando-a por uma técnica muito controlada e por uma cultura visual muito alemã, que vai buscar na arte dos séculos 15 e 16 as suas origens. Essa feiúra mórbida é nutrida pela energia de uma violência física e sexual, cujo apogeu criador chega com o contorno cortante e as superfícies lisas que emprega nos anos de 1920 e 1930.

BIQUÍNI - Bem antes de Brigitte Bardot ou dos iates milionários, quando ainda era uma isolada aldeia de pescadores, St. Tropez atraiu Signac, Matisse, Bonnard. O museu de l'Annonciade, no porto da cidadezinha, abriga atualmente uma retrospectiva Bonnard: não há pintor que tenha feito melhor e com tanta felicidade as cores sustentarem-se entre si e por si só. Rothko foi um profundo admirador de Bonnard.

TOURADA - O teatro romano de Orange, construído há 2.000 anos, foi o que melhor chegou até nós, com seu imenso muro de cena. Lugar impressionante, ideal para montagens de grandes óperas, onde 9.000 espectadores nada perdem, graças à maravilhosa acústica. Este ano, foi apresentada "Carmen", segura e contida, sob a direção de Michel Plasson.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com



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