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"Mostrei os guerrilheiros como seres falíveis, e não como caricaturas", diz Venturi
DO COLUNISTA DA FOLHA
Autor do documentário "O
Velho - História de Luiz
Carlos Prestes" (1997) e do
drama moral "Latitude Zero" (1999), o paulista Toni Venturi
lança, em 15 de abril, seu novo filme,
"Cabra-Cega". É um "huis clos" político, no qual um guerrilheiro ferido
se esconde num apartamento, enquanto, do lado de fora, o regime
militar esmaga as organizações de
esquerda.
"Cabra-Cega" ganhou vários prêmios no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, incluindo os de direção, roteiro, ator (Leonardo Medeiros) e do público.
Folha - Como surgiu a idéia de filmar
"Cabra-Cega"?
Toni Venturi - Revendo "O Velho",
senti que havia tratado de forma superficial o episódio da resistência armada contra o regime militar. Meu
chapa Fernando Bonassi me falou de
uma idéia do Roberto Moreira
("Contra Todos"): um homem fechado, enlouquecendo de solidão,
no turbilhão da ditadura.
Bonassi e Victor Navas desenvolveram o argumento. Fui atrás de mais
material, fiz uma longa pesquisa,
que gerou o documentário "No
Olho do Furacão", um trabalho a
quatro mãos com Renato Tapajós,
ex-Ala Vermelha [grupo surgido da
cisão do PC do B durante a ditadura]. Esse material bruto serviu para o
Di Moretti e eu chegarmos ao roteiro
final. Procurei fazer um filme realista e dinâmico (elipses temporais e
espaciais, música eletrônica dos hits
da época) para os jovens de hoje, que
pouco sabem sobre o período. O
ponto de vista é o cotidiano do "aparelho", o centro isolado e um mundo
("off screen") em decomposição,
que se fecha inexoravelmente.
Folha - "Cabra-Cega" se insere num
conjunto de filmes que têm tentado
rever os chamados "anos de chumbo"
da vida política brasileira. Por que está ocorrendo essa revisão 20 anos depois do final da ditadura?
Venturi - A brutal violência praticada pelo Estado contra os brasileiros
da classe média e operários no período é pouco conhecida da maioria.
É necessário conhecer essa história,
não com espírito de revanchismo,
mas para entender bem, para que
nunca mais aconteça de novo. "Cabra-Cega" procura mostrar os guerrilheiros como seres humanos (falíveis e vitais), e não caricaturas toscas
de jovens teleguiados por Cuba.
O filme também aponta para o fato
de que, apesar das perdas e do alto
custo, vale a pena lutar por algo em
que se acredita. Só os recentes "Ação
entre Amigos", do Beto Brant,
"Conspiração do Silêncio", do Ronaldo Duque, e "Quase Dois Irmãos", da Lúcia Murat, escapam do
maniqueísmo infantil dos outros filmes que tentaram abordar a época.
Folha - Você não acha que essa revisita à história do confronto entre
guerrilhas e regime militar pode ter
um efeito catártico?
Venturi - Gostaria até que os filmes
que estão chegando provocassem algum impacto transformador, mas
isso não vai acontecer. Nossos filmes
ficarão relegados ao gueto de costume (circuito de salas "cult") e serão
parte do mosaico estilhaçado da história dos derrotados. Hoje em dia,
para galvanizar efeitos catárticos coletivos numa sociedade midiática e
globalizada, só atos extraordinários
e hediondos como os do maior encenador da atualidade, Bin Laden.
"Cabra-Cega" é realista e dinâmico, para aqueles que pouco sabem do período
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Folha - Não teme que você e o roteirista Di Moretti, jovens para ter vivido
a época narrada do filme, sejam acusados de não conhecer "de primeira
mão" as situações retratadas?
Venturi - Não somos tão jovens
assim. Em 68, participei das passeatas como estudante do Ginásio Vocacional. Colhemos 11 longos depoimentos de ex-guerrilheiros, que reconstruíram suas vidas, a matéria-prima das histórias costuradas no
roteiro. Tivemos a consultoria formal de Alípio Freire, escritor e ex-Ala Vermelha. E também a consultoria informal de Carlos Eugenio
Paz, o Clemente, ex-comandante da
ALN [Ação Libertadora Nacional],
que inspirou livremente o personagem Tiago.
(JGC)
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