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O profeta Benjamin
"Aviso de Incêndio" faz uma interpretação frouxa da obra do pensador
SUSANA KAMPFF LAGES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 1980, o filósofo italiano Cesare Cases fazia num breve
texto um balanço irônico da
recepção da obra benjaminiana na Itália: "Benjamin vai bem para
todos e em tudo". Esse era o núcleo
básico da argumentação, cuja atualidade e abrangência tem se reafirmado neste último quarto de século.
No meio tempo, a produção de comentários sobre o autor berlinense,
seja ela a acadêmica ou a jornalística,
sóbria ou inspirada, panorâmica ou
pontual, de matiz filosófico, sociológico, literário ou estético (ou então
gorda ou magra, como assinalou
com bom humor Cases, reportando-se a um divertido livro dos anos 70,
chamado "Swinging Benjamin"), só
tem continuado seu périplo constelar e poliédrico.
Uma pequena estrela na constelação de comentários da obra benjaminiana é o livro de Michel Löwy:
"Walter Benjamin - Aviso de Incêndio". Löwy tem uma extensíssima
obra que focaliza, entre outros, a história do marxismo na América Latina e, de modo original, as relações
entre marxismo, judaísmo e romantismo na Europa Central, de onde
seu interesse pela obra de Benjamin,
já anteriormente estudada, entre outros, no livro "Romantismo e Messianismo" (Perspectiva). Com este
novo e bem-vindo livro, pretende
realizar "uma análise talmúdica, palavra por palavra, frase por frase"
das famosíssimas teses "Sobre o
Conceito da História", texto cultuado em diversos âmbitos das ciências
humanas. Em sua batalha decifradora, o autor se arma de razoável arsenal: o trabalho ancora-se em numerosas e pertinentes referências à história do marxismo, à filosofia da história benjaminiana e a teorias historiográficas mais recentes.
Entretanto a interpretação construída a partir desse conjunto de
fontes resulta bastante frouxa e, às
vezes, arbitrária. Na leitura, tem-se a
impressão de que o texto benjaminiano, objeto da paixão e da emulação do comentador, é instrumentalizado para demonstrar algumas teses: Walter Benjamin precursor do
movimento antiglobalização, dos
movimentos ambientalistas, das políticas de gênero, da teologia da libertação; enfim, um Benjamin nem
moderno nem pós-moderno, mas
sempre fiel aos mais caros e românticos ideais de 68... A impressão de
arbitrariedade desse tipo de interpretação se dá, entre outros, pela ligação um tanto abrupta entre fatos
históricos comentados por Benjamin e fatos históricos da atualidade,
sobretudo a latino-americana.
Em vez de um efeito de choque à
maneira brechtiana ou benjaminiana, essa justaposição entre passado e
presente transmite um didatismo
sem força interpretativa, algo que
talvez decorra de uma falta de interesse do autor pelos aspectos especificamente literários das teses e de
uma confusão entre os planos empírico e teórico da reflexão.
É lícito ler Benjamin como pensador não ortodoxo da revolução e é
pertinente a retomada de suas relações com a história do marxismo;
faltaria apenas mostrar como sua
dialética materialista se relaciona
com o aparato teórico-conceitual
construído ao longo de sua obra.
Nesse sentido, o leitor (ao menos o
especializado) certamente irá se ressentir da falta de um exame mais demorado de conceitos-chave como
"imagem" (bild), "tempo-de/do-agora" ("jetztzeit"), mônada, entre
outros, e de uma reflexão que leve
mais a sério o meio ("medium") no
qual e pelo qual eles são construídos:
a linguagem.
Graficamente bem editado e contendo uma nova e cuidadosa tradução das teses, por Jeanne-Marie Gagnebin e Marcos Müller, o livro padece um pouco, porém, daqueles probleminhas freqüentes em edições de
obras de caráter acadêmico com citações em língua estrangeira: aqui e
ali, erros de digitação, problemas de
tradução, referências imprecisas ou
incompletas, embora tenha o mérito
de indicar as edições brasileiras existentes de muitas das obras comentadas. Mas o que faz mais falta, a meu
ver, é uma bibliografia ao final do
volume, algo útil para o leitor interessado em aprofundar seus conhecimentos sobre o contexto histórico
em que foram escritas as teses, as relações da obra benjaminiana com a
tradição marxista, assuntos esses cuja bibliografia o autor domina e discute, ainda que nem sempre consiga
fazer com que renda frutos convincentes para sua argumentação.
Susana Kampff Lages é ensaísta, tradutora
e autora de "Walter Benjamin - Tradução e
Melancolia" (Edusp).
Walter Benjamin - Aviso
de Incêndio
160 págs., R$ 32,00
de Michel Löwy. Trad. Wanda Caldeira Nogueira Brant. Ed. Boitempo (r. Euclides de
Andrade, 27, CEP 05030-030, SP, tel. 0/xx/
11/ 3875-7250).
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