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ADVERSÁRIO EM CONSTRUÇÃO
Com disposição para o debate, "Reflexões sobre o Direito à Propriedade" ataca o socialismo e critica os rumos do Brasil
MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Denis Lerrer Rosenfield é um filósofo
diferente. Poderia
escrever para "dentro", para os acadêmicos, ou produzir aqueles relatórios de pesquisa que ninguém vai ler. Não. Procura a
discussão pública e, dessa forma, enriquece o debate político
nacional. "Reflexões sobre o
Direito à Propriedade" é o seu
novo livro.
Em seis capítulos, critica os
rumos do país e identifica uma
questão central: a propriedade
privada, no Brasil, está em risco. E em risco está também a liberdade. Suas reflexões se utilizam de autores clássicos e
modernos. Entre estes últimos,
principalmente Hernando de
Soto, Leo Strauss e Friedrich
Hayek.
Rosenfield discorda frontalmente do governo Lula. Contudo constrói um adversário que
não existe.
Transforma o burocrata petista em líder revolucionário. É
um grave equívoco. Ruim para
o debate político, mas excelente para o burocrata. É bom ser
identificado como um perigo à
ordem capitalista: massageia
seu ego, relembra seu passado
de militante esquerdista e até o
estimula a ditar (escrever, não)
suas memórias.
Aumento de preço
Mas o interesse do burocrata
(e aí o aproxima, por estranho
que pareça, a Rosenfield) é outro: deseja ampliar sua casa em
um condomínio fechado, comprar aparelhos eletrônicos de
última geração, roupas de grife
e até cosméticos -como declarou o ex-ministro José Dirceu à
revista "Piauí". A cada invasão
de terra ou de prédio público, o
"consultor" aumenta o preço
do seu "trabalho".
Ainda no terreno da "construção do adversário", seria
mais salutar para o debate se
Rosenfield escolhesse entre os
livros de Karl Marx outro mais
relevante do que o "Manifesto
Comunista", sabidamente um
texto de propaganda. Por que
não "O Capital", as reflexões
sobre 1848 ou sobre a Comuna
de Paris?
O autor desconhece que nem
o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra,
inúmeras vezes citado no livro)
quer fazer a revolução ou que
nem o grande capital teme alguma expropriação. É um jogo
perverso. Um precisa de verbas
públicas para sobreviver como
partido agrário, outro só tem
olhos para o pagamento dos juros da dívida pública.
A contrapartida do aumento
da taxa de juros ou da remuneração abusiva do capital é a
ocupação, por exemplo, da sede
do Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária). E o governo Lula atende
salomonicamente a todos.
Não é possível concordar
com a idéia de que a tradição
socialista dá origem "às formas
modernas da democracia totalitária". Para Rosenfield, esquerda é bolchevismo. Em momento algum cita a social-democracia alemã ou o trabalhismo inglês (isso explica porque
identifica, erroneamente, os
caudilhos latino-americanos
como defensores de um Estado
de Bem-Estar Social).
Dessa forma, apresenta-se
como o antagonista do bolchevismo e defende enfaticamente
o liberalismo clássico. Critica a
Justiça do Trabalho (pela "função distributiva") e a quebra de
patentes na área farmacêutica.
Crê que não cabe ao Estado
equalizar as desigualdades,
pois essas são "fruto da liberdade", da "minoria que empreendeu, assumiu riscos e teve o seu
esforço recompensado".
Nesse sentido, é difícil encontrar um lugar para o filósofo
no quadro político brasileiro.
Sem paralelos
O anacronismo marca certas
análises. É estranha a afirmação de que o Estado brasileiro
"aparece como se fosse um Estado do Antigo Regime", pois
tanto em um como em outro os
"direitos exclusivos eram também assegurados constitucionalmente".
Não há nenhum paralelo entre uma sociedade estamental e
uma de classe. O mais grave é
quando associa a política de cotas ao programa de liqüidação
dos cúlaques [rótulo aplicado,
na ex-URSS, ao "camponês rico", visto como resquício da
mentalidade burguesa e ameaça à revolução] comandando
por Stálin e ao extermínio de
judeus na Alemanha nazista.
Que relação é possível estabelecer? Nenhuma.
E mais: é a pura banalização
do mal, quando se perde o particularismo do fato histórico.
Mudanças sociais
Diversamente do que propõe
Rosenfield, falta Estado no
Brasil. Estado no sentido mais
amplo, nem como comitê central da burguesia, segundo a
tradição marxista, nem como
ente quase passivo, segundo o
ultraliberalismo. Estado não é
para ser gestor da miséria e do
grande capital, como no governo Lula. Deve alavancar as mudanças sociais e econômicas,
garantir plenamente as liberdades e cumprir as leis. Em suma, deve ser o que nunca foi.
MARCO ANTONIO VILLA é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP).
REFLEXÕES SOBRE O DIREITO
À PROPRIEDADE
Autor: Denis Lerrer Rosenfield
Editora: Campus-Elsevier
(tel. 0800-265340)
Quanto: R$ 39 (224 págs.)
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