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LIVROS
Antologia demonstra que só o preconceito justifica o desconhecimento da poesia portuguesa no Brasil
Um continente ignorado
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Já há um bom tempo se nota, no
Brasil, a febre de traduzir poesia, e
não há sinais de que venha a arrefecer. Temos tido acesso à poesia
moderna dos mais diversos países;
o trabalho de grandes tradutores
nos põe em contato com dinamarqueses, húngaros, gregos modernos e mesmo com os franceses
mais recentes. O interesse pela
poesia de outros países existe, e
não há como justificar que os poetas de Portugal continuem praticamente desconhecidos por aqui.
É preconceito, sem dúvida. Acho
que até se intensificou quando José
Saramago recebeu o Prêmio Nobel; apesar de seus muitos admiradores, registrou-se por aqui um
movimento de nítida antipatia
diante da notícia.
Nomes como Herberto Hélder,
Alexandre O'Neill e Sophia Breyner Andresen são de vez em quando mencionados, mas é como se
não nos dissessem muito respeito.
Cecília Meirelles e João Alves das
Neves organizaram, nos anos 40 e
60, respectivamente, belíssimas
antologias de poesia portuguesa.
Nesses volumes é natural, todavia,
que Fernando Pessoa ocupe o centro das atenções.
Esta "Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea" reúne
mais de 70 poetas, de José Gomes
Ferreira (1900-1985) a José Tolentino Mendonça, nascido em 1965.
É um verdadeiro descobrimento.
A surpresa não decorre só de
nossa ignorância, ou da alta qualidade de tanta coisa que encontramos nessas mais de 400 páginas. O
mais espantoso no livro é que toda
essa poesia se ofereça tão abertamente, que sua beleza se venha a
mostrar tão próxima, tão familiar,
ao alcance da mão.
De fato, se for possível especular
sobre o que tantos autores têm em
comum, é notável nessa antologia
a sua, digamos, "acessibilidade".
Não que os poemas sejam simplesmente "fáceis", simples de ler -o
que seria um anátema para o gosto
contemporâneo. Mas há na maioria desses poetas uma naturalidade, um bem-estar com a linguagem, uma certa ausência de crispação, que nada têm de concessivo,
de sentimental ou de rasteiro. Mesmo na angústia, evita-se a gesticulação excessiva; o tom é íntimo,
fluente, e a sutileza poética não
costuma recorrer ao aparato -tão
constante entre nós- da elipse, do
fragmento e da contenção.
A que se deve essa aparência distensa, essa "respiração", essa limpidez? Talvez ao gosto dos antologistas; talvez porque em Portugal
haja um público de poesia mais
instituído do que aqui, diante do
qual os autores se sintam à vontade. São hipóteses, apenas. Pode-se
pensar em algumas outras.
Como nota Alexei Bueno na introdução ao livro, a modernidade
do futurismo português, no começo do século, foi bem mais radical
do que a dos brasileiros de 22. Ao
mesmo tempo, pode-se acrescentar, o nosso processo de modernização social e econômica tem sido
bem mais radical e turbulento do
que o português; duplo motivo,
quem sabe, para que literariamente oscilemos entre o rigor e a trepidação, enquanto lá o intrépido e o
caseiro se conciliam.
A influência da quadra popular,
gênero que Fernando Pessoa também exerceu, aparece a todo momento, com resultados muito felizes em Sophia Andresen, Alexandre O'Neill, Eugénio de Andrade
ou Alberto de Lacerda. Há, por outro lado, um jeito de fazer versos
longos e discursivos em que a prosa é uma influência e não um risco;
nota-se isso nos poemas de Jorge
de Sena, Fernando Pinto do Amaral e Vasco Graça Moura.
Poemas extensos, aliás, não intimidam os antologistas, e Herberto
Hélder aparece aqui muito bem representado; nas suas meditações,
de um lirismo livre e nada fácil, o
jogo entre o não-dito e a fluência
convida o leitor a uma constante
releitura.
Mas o livro todo, na verdade, é
feito para que não o larguemos tão
depressa. A poesia portuguesa é
um continente ignorado; "um não
acabar-se", diriam eles -e termino, um pouco lusitanamente, citando os versos finais de um poema de Pedro Homem de Mello, dedicado a um amigo morto: "frágil,
baloiça a barca... frágeis remos!/ E
a mão de Deus? De súbito, amanhece.../ Nós, os Poetas, morremos/ Só quando alguém nos esquece."
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