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Ponto de fuga
O "bricoleur" da história
Jorge Coli
especial para a Folha
O dicionário "Aurélio" incorporou a
palavra "bricolagem", que vem do
francês. Ela se refere a trabalhos manuais, a artesanato doméstico feito de
modo aproximativo e com as ferramentas que se têm à mão. A arte de Cildo Meireles nasce desse gesto "bricoleur". Ela projetou-se no cenário internacional. A mostra atual do MAM
(Museu de Arte Moderna de São Paulo)
retoma, em parte, a exposição antes organizada no New Museum of Contemporary Art, de Nova York. Lá, na
Broadway, ela parecia mais dramática,
superposta em três andares labirínticos. Aqui, no espaço contínuo do
MAM, o clima de surpresas diminui.
Mas sua importância é evidente.
Postas na perspectiva do tempo, muitas obras trazem a marca de suas datas.
É assim o "Desvio para o Vermelho",
que estava em Nova York, mas que não
veio para o MAM. Todo um ambiente
doméstico, do sofá à geladeira, à vitrola
e seus discos, à água que corre na torneira, revestido de um tom rubro intenso, partia de uma intenção subversiva. Eram os anos da ditadura, e a cor
funcionava como símbolo das torturas
sangrentas. A repressão estimulava o
ato criador pelo avesso; o artista, como
os antigos românticos, exprimia seu
protesto visceral; os espectadores consolavam-se com a manifestação de recusa ao poder, e também se sentiam, é
possível, um pouquinho heróicos.
Tais resistência e heroísmo, está claro, exerciam um papel muito menos
atuante nos fatos do que em sentimentos e estados de alma. Hoje, "Desvio para o Vermelho" guarda a memória das
sensações de outra época e adquire
uma nova dimensão, divertida e leve.
Flor da pele - Cildo Meireles, depois
dos anos tenebrosos, partiu em busca
de novas percepções. Mas os dispositivos do "bricoleur" nem sempre atingem a eficácia das sensações propostas.
Caminhar num túnel de vento, derretendo um gelinho doce ou salgado na
boca, indica uma idéia mais sugestiva
do que sua realização.
O mais importante Cildo Meireles talvez esteja mesmo na apropriação de
objetos. Numa outra mostra, apresentada pelo Itaú Cultural (SP) e intitulada
"Investigações", encontram-se vários
deles, recentes, concebidos na melhor
tradição dadaísta. Nascem de um engenho capaz de insights e achados formidáveis, prenhes de poesia insólita.
Vôo - A exposição do Itaú Cultural
reúne, além de Meireles, vários artistas
de primeira água. São eles: Ernesto Neto, Nuno Ramos, Carmela Gross, Iole
de Freitas, Carlos Fadon Vicente,
Eduardo Kac. Obras atuais pontuam
um percurso de inesperados e de seduções. Estão bem expostas, bem iluminadas. Alguns monitores falam com
empenho, clareza e convicção, desses
imaginários que parecem ter asas.
Barbas - Leitores reclamaram que o
título do álbum de Laerte, mencionado
em nota de outro domingo, não ficara
explícito. Vai aqui: "Deus segundo
Laerte", publicado pela Editora Olho
d'Água.
Outros leitores comentaram o crapô
(ou "crapaud"), que o Deus de Laerte
sabe jogar. Mas o evocaram com a nostalgia das coisas que se foram: um jogo
de avós. É uma pena. O crapô pede a inteligência combinatória do enxadrista,
à qual se acrescenta uma atenção sem
repouso, por causa das sequências aleatórias introduzidas nas cartas. Pode ser
que existam ainda muitos praticantes,
ou mesmo associações especializadas;
pelas mensagens, no entanto, não parece. Com o perdão do neologismo: crapodistas do mundo inteiro, uni-vos!
Nessun dorma - Basta que se fale de
ópera para que apaixonados se assanhem, escrevendo, opinando, discutindo. Não há gênero artístico que desperte entusiasmo mais arrebatado.
Uma nota desta coluna, noutro domingo, assinalou o notável catálogo da
coleção "Opera d'Oro". Uma porção de
mensagens, meio aflitas, perguntaram
como conseguir esses discos. O melhor
é ir diretamente ao site
www.allegro-music.com.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail:
jorgecoli@uol.com.br
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