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Feira
Em crônicas agora reunidas, João do Rio escancara o comércio de crenças no Brasil na virada do século 19 ao 20
LUIZ FELIPE PONDÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Religião é um assunto
que está sempre em
moda, seja pela beleza e sentido que alguns nela encontram, seja pelo horror e pela ignorância que outros nela identificam. Muitos pensam que a
época atual se caracteriza por
um mosaico contraditório e
promíscuo de crenças religiosas, misturando o que comumente chamamos de seres de
outros planetas, orixás, fantasmas, bruxas, Jesus e Buda, permeados pela vaga palavra
"energia", cujo campo semântico se despedaça na mesma medida em que se vulgariza.
Consultórios de psicoterapeutas são visitados por espíritos e por seres vindos de Andrômeda. Figuras híbridas se
misturam, entre o pastor e o
pai-de-santo, a fim de aliviar o
cotidiano esmagado pela evidente infelicidade da vida: entre a fé e o destino, a frustração
determina o preço da crença e
o custo da desilusão.
Fama e vil metal
A risível crença positiva num
mundo racionalmente possível
se mistura com o terror diante
dos demônios que podem penetrar sexualmente os corpos
de homens e mulheres, submetendo a alma.
No neopaganismo (essa figura mítica entre a história e o pesadelo dos infantis) o fetiche da
revolta encanta os ressentidos
como um modo chique de construção da subjetividade. Desde
um judaísmo barato até o cristianismo, essa "Maria Louca do
Ocidente" para muitos críticos,
tudo tem lugar nesse trópico
triste que é o Brasil.
Com pequenos ajustes de
época, essa feira de artigos religiosos em que vivemos hoje
não é muito distante daquela
descrita pelo nosso Oscar Wilde, João do Rio, nos seus artigos publicados na "Gazeta de
Notícias", do Rio de Janeiro,
em 1904, e agora lançados
(uma excelente notícia).
Trata-se de uma obra que
transita entre uma antropologia leve (não necessariamente
científica) e um jornalismo investigativo.
Crônicas (quase didáticas,
quase sarcásticas) de como a
pulsão religiosa se apresenta ao
comércio dos espíritos e dos
corpos, materializada socialmente no Rio de Janeiro da virada do século 19 para o 20. A
pretensa "objetividade neutra"
das ciências sociais militantes
não sobrevive sob o bisturi de
nosso dândi carioca.
Vaivém
João do Rio descreve o ruidoso vaivém das variadas comunidades religiosas de então ao
mesmo tempo em que nos leva
aos escritórios sagrados nos
quais "santos", entre dois ou
três tipos de deuses guardados
em suas gavetas, adoram mesmo é o vil metal ou a fama, ganhos em troca da "revelação"
feita, fruto de seu dom sobrenatural ou de uma teoria recém-descoberta.
Nosso jornalista ainda vivia
numa época anterior à ideologização da crítica (essa asfixia
da razão), por isso é muitas vezes visto como um traidor impiedoso das vítimas de plantão.
Trata-se de uma diatribe que
merece ser lida tanto por religiosos quanto por especialistas
e jornalistas.
LUIZ FELIPE PONDÉ é professor da pós-graduação em ciências da religião e do departamento de
teologia da Pontifícia Universidade Católica
(SP) e da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado. É autor de, entre outros, "O Homem Insuficiente" (Edusp).
AS RELIGIÕES NO RIO
Autor: João do Rio
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 30 (308 págs.)
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