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+ (c)ultura
Visão de Barthes
Em "O Ofício
de Escrever",
Eric Marty traça
um retrato
do crítico
francês, autor
de "Mitologias",
e dos intelectuais
na Paris
dos anos 70
MICHEL CONTAT
Um livro surpreendente, inesperado,
para dizer a verdade. Exceto, talvez,
para os que se
aproximaram do primeiro círculo ao redor de Roland Barthes e se interrogavam sobre a
ligação -misteriosa?- que poderia existir entre ele e o jovem
Eric Marty.
Ele participou nos anos 1970
de seu seminário e dirigiu, na
editora Seuil, as "Obras Completas" de Barthes (1994, reedição em 2002) e também os
quatro volumes dos "Cursos e
Seminários no Collège de
France" (co-edição Imec,
2002). Daí sua familiaridade
com a obra, da qual pode oferecer uma visão de conjunto assim como análises detalhadas.
Mas seu trabalho atual, "Roland Barthes - Le Métier d'Écrire" [O Ofício de Escrever, ed.
Seuil, 342 págs., 23, R$ 73],
parece mais literário que ensaístico. Ele tem início com
"Memória de uma Amizade",
tentativa de "retrato autobiográfico" que faz uma descrição
quase fenomenológica, pudica
e sincera, da relação entre discípulo e mestre.
Em seguida vem uma coletânea dos prefácios que escreveu
para os cinco volumes das
"Obras Completas". A terceira
parte traz uma transcrição do
seminário que deu em 2002 na
Universidade de Paris 7.
Os prefácios problematizam
inteligentemente a obra, pois
dialogam com o tempo, o ar do
tempo, a moda intelectual, vestimental, cultural, dos costumes, sob as sucessivas tutelas
de Gide, Sartre, Marx, a lingüística, a psicanálise, jamais renegadas e também jamais constituídas em dogmas.
Proust e Flaubert
O verdadeiro modelo de Barthes é Proust, pela visão irônica
do mundo social, pela finura da
análise, pelo humor que deve
evitar a efusão sem afastar os
sentimentos. Atrás de Proust
perfila-se também Flaubert, é
claro, pela aversão à besteira,
aos discursos estereotipados.
Como se estabelecia, então,
na realidade cotidiana, a relação entre um discípulo -cuja
própria posição implica submissão deferente ao discurso e
às idiossincrasias do mestre- e
um mestre que resistia a toda
demanda viscosa?
O relato de Marty responde a
essas perguntas de maneira cativante e também comovente.
Ele tem 20 anos quando o conhece, em 1976. É tímido, chegando à afasia em público.
Barthes o nota, interessa-se
por ele, estudante de letras,
marcam um encontro em
Saint-Germain-des-Prés (Paris). O jovem está petrificado de
admiração por esse "príncipe
da juventude" cujos livros ele
leu, professor no Collège de
France e que mantém na Escola de Altos Estudos seu seminário restrito. Barthes o convida.
Ele descobre a rede mais ou
menos homossexual que se estende por Paris a partir do salão
de um rico tunisiano, um anfitrião perfeito que recebe a intelligentsia, da qual Barthes é o
mestre venerado como uma espécie de imperador romano solitário, melancólico. Ele será
"meu pequeno Eric", ligado a
Barthes pelo amor à ópera e pela delicadeza de sentimentos,
pela literatura também, evidentemente.
Intimidade crescente
Roland lhe apresenta sua
mãe, que o aprecia, e seu meio-irmão; eles passam férias em
Urt [sudoeste da França], o jovem se torna o secretário encarregado da correspondência,
numa intimidade crescente
que Marty, hoje, brilha ao manter discreta enquanto a expõe.
Essa "Memória de uma Amizade" torna-se, assim, o retrato
de um homem e de uma rede de
intelectuais, de seus hábitos
nos loucos anos 70 e da relação
de amor verdadeiro que havia
entre Barthes e sua mãe.
Em seu centro, abre-se um
ponto focal realmente vertiginoso e literariamente muito
forte, porque enigmático: a
confissão, nos meandros de
uma frase e sem comentários,
de que ele destruiu, algum tempo após a morte de Barthes, as
cartas que recebeu dele e os
exemplares de seus livros com
dedicatórias. Por quê? Assassinato postergado? Uma maneira
definitiva de virar uma página
de sua vida? É bom que os textos, assim como os seres, guardem seu segredo indicando-o
em um lampejo.
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
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