São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2004

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ciência política

POR FÁBIO WANDERLEY REIS

Estado x cidadão

No plano internacional, a ciência política moderna se defrontou sempre com o problema da tensão entre o seu inevitável componente normativo, que marca milenarmente a reflexão sobre a política, e o empenho de acuidade factual e rigor analítico, ou o empenho científico. Essa tensão gira especialmente em torno do tema central das relações entre democracia e autoridade ou de como preservar a autonomia das pessoas e prevenir as distorções autoritárias ou corruptas da busca (eficaz...) de objetivos comuns pelo Estado. Nas últimas décadas, a velha tensão assumiu, em particular, a forma do confronto entre uma corrente propensa a se valer dos postulados e instrumentos analíticos "realistas" da ciência econômica, destacando a idéia de que cada um persegue "racionalmente" o interesse próprio, e outra de inclinação sociológica, ciosa do papel das normas no condicionamento do comportamento político e da necessidade de se criar uma "cultura" apropriada.
A ciência política brasileira atual tem de enfrentar-se, no fundo, com os mesmos problemas, e o faz como pode. Ela é, para começar, teoricamente deficiente, tendendo à postura de mera "consumidora" diante da reflexão teórica de americanos e europeus, e com freqüência desatenta e mal equipada quanto ao rigor e à ligação entre reflexão e base factual. Além disso, a questão de assegurar a autonomia efetiva dos cidadãos e a democracia, em vez das turbulências por que temos passado, se torna especialmente complicada nas condições de intensa desigualdade e do enorme fosso social do país. Finalmente, os processos ligados à globalização recolocam os antigos temas de estudo da ciência política numa escala que é agora planetária: se isso traz razões de perplexidade até para países desenvolvidos e de longa tradição democrática ou para a ciência política que lá se faz, elas se multiplicam para um país periférico como o Brasil, com novos e maiores embaraços à ação eficaz do Estado nos planos econômico e social.


Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.


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