São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2004

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cinema

POR ISMAIL XAVIER

Teoria da conspiração

Nos estudos de cinema, o avanço técnico tem ensejado novas direções de pesquisa, e não é de hoje que, no Brasil, enfoques mais específicos convivem com o trabalho de historiadores e cientistas sociais na lida com o "novo objeto", enquanto este encontra também lugar no campo da comunicação. Os teóricos de cinema, por sua vez, o conectam à literatura, às artes visuais, ao teatro, à história e à filosofia, cientes de que se vive um processo de expansão do campo das mídias audiovisuais que exige uma reconceituação de cada um de seus segmentos.
O campo é instável e há respeito pela diversidade, principalmente depois que, nos anos 80, se diagnosticou uma forte "crise da teoria" (leia-se impasses do projeto de passagem da ideologia à ciência gerado na França dos anos 70: a teoria do "dispositivo", em que a semiologia, a psicanálise e o marxismo de Louis Althusser se condensaram ou se precipitaram).
Inviabilizada a unificação do campo, temos o pluralismo de recortes que ora ajusta a pesquisa feita no Brasil ao campo da comunicação de massa e aos "estudos culturais" de inspiração anglo-americana, ora ao que, de imediato, é o campo da "não-comunicação", quando a dimensão estética vem ao centro e há empenho especial nos problemas de interpretação das formas, com ênfase na análise de filmes brasileiros.
A teoria do cinema passa, pois, por uma reacomodação de terreno e explora suas conexões com outras disciplinas. Avanços? Sim; problemas? Também, pois o trabalho interdisciplinar, entre nós, nem sempre torna efetivas as proclamações de sua introdução teórica. A convergência de métodos e saberes se anuncia, mas logo se dissolve em trabalhos que seguem protocolos que não dão conta do "novo objeto", quase sempre em detrimento da dimensão estética.
Há muito por fazer nessa intersecção de enfoques e objetos; é o caminho. A título de lance preliminar, vale resistir à química que modela o trabalho acadêmico em "pílulas". A lógica da produção ajustada às "hard sciences" produz uma precipitação de resultados mais radical do que a encontrada em outros países, e há trabalhos que não têm chance de amadurecer ou cumprir percursos que fariam a pesquisa se articular a questões maiores, como nos melhores exemplos da forma ensaio. A velocidade forçada nos pede formalizações (blindagem) do campo teórico como rigorosa geometria (onde se perde a complexidade do objeto) ou reduz a pesquisa empírica a uma organização de dados que tem o rosto do guarda-livros, desligada de uma problemática que lhe dê sentido.


Ismail Xavier é professor na Escola de Comunicação e Artes da USP, crítico de cinema e autor de "O Cinema Brasileiro Moderno" (Paz e Terra).


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