São Paulo, domingo, 29 de abril de 2001

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A misteriosa briga entre Wittgenstein e Popper

da Redação

Dois jornalistas ingleses resolveram descobrir um pouco mais sobre um dos mais misteriosos debates filosóficos do século 20. O resultado é "Wittgenstein's Poker" (O Tiçoeiro de Wittgenstein, David Edmons e John Eidinow, 268 págs., Faber and Faber).
O livro recém-lançado tenta retraçar os principais acontecimentos dos dez minutos da discussão entre os austríacos Ludwig Wittgenstein e Karl Popper, em 25 de outubro de 1946, na Inglaterra.
Naquela noite, uma sexta-feira, o autor de "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos" fora convidado para falar no Cambridge Moral Science Club, onde se reuniam semanalmente professores e estudantes da universidade. O título da palestra de Popper era "Existem Temas Filosóficos?". Entre as cerca de 30 pessoas presentes ao encontro, das quais menos de dez estão ainda vivas, também estava Bertrand Russell.
Pouco se sabe sobre o que aconteceu. A boa biografia de Wittgenstein escrita por Ray Monk ("O Dever do Gênio", Companhia das Letras), por exemplo, não traz mais de dois parágrafos sobre o assunto (além de citar a data errada, 26, em vez de 25 de outubro). Diz ele que o ocorrido se perdeu "nas brumas das lendas surgidas em torno do incidente".
Basicamente, a palestra fora planejada por Popper, um pensador em grande ascensão na época, para provocar Wittgenstein, a estrela maior de Cambridge, pois este supostamente rejeitaria com vigor a idéia da existência de temas filosóficos. A intenção teve o resultado esperado e ambos discutiram.
É aí que surgem as variações.
Em sua autobiografia, "Unended Quest" (Busca Inacabada, 1974), Popper afirma que, durante a discussão, apresentou uma série de verdadeiros problemas filosóficos, todos recusados por Wittgenstein. Até que foi desafiado a dar um exemplo de regra moral pelo adversário, que estivera até então mexendo nervosamente em um atiçador de fogo. Ao que ele teria respondido: "Não ameaçar conferencistas visitantes com tiçoeiros". Wittgenstein, em seguida, atiraria o instrumento no chão e sairia pela porta raivoso. A partir das entrevistas com os participantes do encontro ainda vivos, os dois jornalistas propõem outras possibilidades. Wittgenstein teria saído antes da resposta de Popper (como, aliás, era seu costume durante essas reuniões, que logo o deixavam muito entediado); ou Popper teria colocado um aspecto totalmente supérfluo da questão, o tiçoeiro, em destaque.
De qualquer modo, o livro não resolve o mistério, apesar de acrescentar uma ou outra peça ao quebra-cabeça. Ele serve, no entanto, como uma boa introdução ao clima intelectual da época do pós-guerra e a algumas das idéias de seus dois protagonistas, além de, é claro, colocar a famosa briga daquela noite novamente em evidência.



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