|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O bunker virtual
A MAIOR FORNECEDORA MUNDIAL DE SEGURANÇA NA INTERNET OPERA A PARTIR DE UM ANTIGO ABRIGO NUCLEAR DA GUERRA FRIA COM A MISSÃO DE COMBATER OS CRESCENTES ATAQUES E ROUBOS DE INFORMAÇÕES NA REDE
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
O crime ocorre por via eletrônica, e o contra-ataque
vem pelo mesmo caminho. Mas a estrutura de
combate ao inimigo ganhou proteção concreta extrema. Nada menos
do que um "bunker", herança da
Guerra Fria, construído como abrigo nuclear pelo governo britânico,
resguarda hoje um dos "centros de
operação de segurança" da Symantec -a maior fornecedora de produtos e serviços de segurança na internet do mundo-, que a Folha visitou com exclusividade no último dia 17.
Instalado em 2002 no pequeno povoado de Twyford (99 km a sudoeste
de Londres), o centro é o único da
empresa a ocupar um "bunker". Segundo Jeff Ogden, diretor da área de
serviços de segurança, a Symantec se deu conta
de que as empresas não conseguiam
mais lidar sozinhas com os riscos da
internet. Podiam até ter os softwares
de proteção adequados -a própria
empresa produz a linha Norton-,
mas não tinham, necessariamente,
estrutura para monitorá-los.
Daí surgiu a idéia dos chamados
"centros de operações de segurança". Hoje a empresa possui cinco deles em diferentes localidades do
mundo. Todos estão em pontos subterrâneos e isolados.
Quando o centro de Twyford começou a ser construído, em 1988, os
chamados "crackers" -criminosos
virtuais- não existiam. A preocupação do governo britânico eram os
russos -e um possível ataque nuclear que pudessem iniciar.
O "bunker" foi desenvolvido a
partir de um reservatório já existente para abrigar 30 pessoas e garantir
que elas tivessem por 60 dias energia, água, ventilação limpa e comida.
Seus ocupantes seriam funcionários
das empresas de infra-estrutura, que
eram considerados importantes para a reconstrução posterior de serviços essenciais em caso de um ataque.
Em 1990, o abrigo ficou pronto. A
Guerra Fria, no entanto, já entrava,
àquela altura, para a história, com o
colapso da antiga União Soviética e a
queda do Muro de Berlim, em 1989.
Já em 1991, o "bunker" de Twyford
foi desativado.
Informação pessoal
Desde então, foi utilizado por três
empresas, incluindo a Symantec,
mais recente ocupante. Não fosse
pelos carros parados na área, o local,
quase no fim de uma estradinha estreita e deserta, não despertaria suspeitas. É todo coberto por um gramado verde e pequenas flores amarelas e brancas. Abaixo disso, está a
bem escondida e pesada porta de
aço de entrada ao centro, que ainda
tem muito de abrigo nuclear.
A entrada é a antiga área de descontaminação. À sua direita, ficavam os chuveiros que ajudariam as
pessoas a se livrarem de resíduos de
um ataque nuclear. Os ventiladores
que filtrariam o ar também estão lá.
E há até uma calha por onde as pessoas poderiam escapar. Portas e paredes são extremamente espessas e
há câmeras em todos os cantos.
Segundo Ogden, roubos de informação pessoal e, em última instância, de identidades são a atividade
criminosa que mais se expande na
rede. Em termos globais, uma ameaça crescente na internet que tem o
propósito específico de roubar informações de usuários é o chamado
"phishing" (termo derivado do inglês "fishing", pescaria).
As mensagens de tentativas "phishing", que também podem acabar
convencendo o usuário da internet a
passar dados pessoais seus, saltaram
de uma média de 1 milhão por dia
para 4,5 milhões por dia ao longo do
segundo semestre de 2004, de acordo com a empresa.
A "carne fraca" muitas vezes leva o
usuário da internet a cair na lábia
dos criminosos. De acordo com Ogden, quem comete esse tipo de crime
tenta explorar as "fraquezas humanas", mandando, por exemplo,
mensagens cujos assuntos tratam de
temas que interessam ao usuário ou
buscando atraí-lo para sites pornográficos.
O "bunker" também mantém os
enormes tanques de geradores próprios, instalados para o abrigo. Isso
garante que nunca faltará energia ao
centro de operações de segurança. A
grande alteração feita pela Symantec
no "bunker" está localizada bem no
meio do local: uma sala onde ficam
os analistas sentados em fileiras,
com telas de computadores na frente, à semelhança de uma mesa de
operações do mercado financeiro.
No alto da parede, uma televisão
que mostra o movimento fora do
"bunker" captado por uma câmera e
outra que exibe noticiário. São as
únicas visões que eles têm do mundo exterior.
Cliente atacado
Apesar de tudo isso, os analistas
-um total de 25 pessoas trabalha
no centro, revezando-se em turnos- dizem que se acostumaram
rápido à "vida de "bunker'".
"No dia-a-dia, não sinto diferença
nenhuma entre trabalhar aqui e
num escritório normal", afirma
Alan Osborne, um dos gerentes de
operações do centro.
A diferença está mesmo na natureza do trabalho, que pode se tornar
extremamente excitante e tenso. Na
manhã em que a Folha visitou o centro, por exemplo, aconteceu uma
"emergência". Um analista descobriu que o sistema de um cliente estava sendo atacado. Os "eventos"
detectados são classificados por ordem de gravidade. Uma "emergência" ocupa o ponto máximo na escala de perigo e não costuma acontecer
mais do que seis vezes ao ano.
O diretor Ogden explica a necessidade de um centro tão protegido.
"Aqui, nós mantemos informações
de nossos clientes. Tiramos dados
das redes deles e as trazemos para cá.
O que não queremos é que alguém
consiga ter acesso a essas informações", explica.
"Você pode, por exemplo, com
certa tecnologia, parar um carro fora
de um prédio e captar alguma informação via tecnologias sem fio, se
não houver proteção adequada.
Aqui embaixo nada funciona, seu
celular não funciona, ninguém de
fora, porque as portas são grossas e
feitas de aço, consegue roubar informação, via tecnologia sem fio, de
dentro deste prédio."
Os moradores de Twyford, no entanto, nem parecem ter se dado conta de que o "bunker" existe. Algo
que, para a Symantec -que lida
com informação confidencial de
seus clientes e quer mesmo passar
desapercebida-, é ótimo.
Segundo Ogden, apenas uma vez o
centro recebeu uma carta de um senhor idoso, morador da região, que
caminha pela estradinha todos os
dias e vê o movimento de carros,
perguntando o que faziam. "Serviço
de monitoramento" foi a resposta
curta, que não recebeu tréplica.
Texto Anterior: Uma filosofia no pincel Próximo Texto: Perda de identidade é a maior ameaça Índice
|