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Tecnologia de mastros e velas
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
Os navios da esquadra de Pedro
Álvares Cabral que estiveram nas
costas brasileiras em 1500 eram
algumas das mais sofisticadas
máquinas disponíveis à humanidade naquela época. Eram a síntese da melhor tecnologia então
existente, o "ônibus espacial" da
era dos descobrimentos.
Tinham uma complexa tecnologia propulsora baseada em um
conjunto de mastros e velas que
proporcionava boa capacidade de
manobra e movimentação em
mar alto. Equipamentos de navegação como bússola e astrolábio
facilitavam ao navio se afastar das
costas. O armazenamento de víveres permitia que se percorressem longas distâncias. O armamento de canhões de carregar pela boca com pólvora e balas esféricas dava um poder de fogo sem rival no resto do planeta.
As grandes navegações portuguesas incluíam um misto de espírito de cruzada cristã com interesse mercantil. Para o empreendimento dar certo, era necessária
uma base tecnológica adequada.
Todos esses fatores estavam representados entre os cerca de
1.500 homens que tripulavam os
13 navios da frota cabralina.
A maneira como esses navios
eram habitados, navegados e comandados resumia em um pequeno universo fechado a sociedade portuguesa da época. No comando supremo estavam os fidalgos aristocratas. Religiosos embarcados cuidavam de manter a
bordo o enorme poder que a Igreja tinha em Portugal. Havia técnicos em navegação, como os pilotos, que eram as pessoas mais importantes a bordo depois do capitão -e ninguém podia interferir
no seu julgamento sobre as manobras do navio. Seu local de trabalho era uma cadeira ao lado da
"agulha de marear" (a bússola).
As técnicas de navegação não
podiam ainda ser consideradas
estritamente "científicas", como
se usaria hoje a palavra; havia
muito de empirismo no trabalho
dos pilotos (por exemplo, só no
século 18 seria possível ter uma
determinação razoável da longitude). O famoso cosmógrafo-mor
do reino, Pedro Nunes (1502-1578), achava os pilotos uns "ignorantes", segundo o historiador
Luís de Albuquerque. Uma avaliação injusta, afirmou Albuquerque, pois muitos pilotos tinham
dado provas de grande perícia
náutica, "se bem que outros se
mostrassem deficientemente preparados e merecessem a crítica".
Personagens importantes como
capitães, pilotos e religiosos tinham bem mais espaço a bordo,
localizado na parte de trás coberta
do navio. Podiam até mesmo ter
mobília e embarcar alimento fresco, como galinhas e porcos. Já os
marinheiros e soldados comuns
tinham de viver em espaços exíguos. Seus raros bens materiais
eram principalmente panelas e
pratos rústicos. A alimentação era
monótona e pouco variou de 1500
a 1800, em Portugal ou em qualquer outro país europeu -carne
salgada conservada em barris,
biscoito duro, queijos e ervilhas.
No Brasil de hoje "caravela" virou sinônimo de qualquer navio a
vela. Mas só três dos 13 navios
com que Cabral partiu de Portugal mereciam ser assim chamados. Os outros dez eram naus (incluindo uma "naveta", ou pequena nau, para transportar mantimentos extras). Ironicamente, em
1500 as caravelas estavam saindo
de moda. Caravelas eram navios
menores, em geral com apenas
dois mastros. Além disso, não tinham os altos "castelos" de popa
e proa das naus, isto é, áreas cobertas à frente e atrás dos navios.
Tinham apenas um pequeno castelo à popa e suas velas podiam
ser latinas (triangulares) ou quadradas (caso em que são chamadas de "caravelas redondas", dado o efeito que uma vela quadrangular produz ao ser enfunada pelo
vento). Já as naus tinham várias
cobertas (conveses abaixo do
convés principal) e três mastros.
Por serem mais ágeis e terem capacidade de navegar em ventos
vindos de um maior leque de direções do que seria possível com
as naus, as caravelas eram as embarcações por excelência para os
descobrimentos. Com elas os portugueses foram explorando a costa da África para o sul, até Bartolomeu Dias dobrar em 1488 o cabo da Boa Esperança e mostrar a
rota para o Oriente.
Pouco se sabe como eram de fato esses navios. Comentando a
evidência disponível, o historiador Francisco Contente Domingues é categórico: "Nada sabemos
de concreto quanto ao traçado da
caravela latina do século 15". Só
no final do século 16 é que surgem
descrições mais confiáveis.
Uma vez traçada a rota para a
Índia, para poder explorá-la comercialmente os portugueses
passaram a empregar as mais pesadas -e mais bem artilhadas-
naus. Foi por isso que a esquadra
de Pedro Álvares Cabral as tinha
em maior quantidade.
Cabral era basicamente um líder militar. A artilharia relativamente moderna de frotas pequenas como a dele ajudaram Portugal a dominar o Oceano Índico
por quase um século contra os veleiros locais menos artilhados. O
"Piloto Anônimo" faz um interessante relato de um combate entre
uma pequena caravela e um navio
indiano bem maior -vencido
pela caravela. A evolução técnica
continuaria ampliando o fosso
tecnológico entre europeus e asiáticos, passando-se desses navios
de emprego geral (usados para a
guerra e o comércio) para os navios construídos especificamente
para o combate, os galeões e as
naus-de-linha-de-batalha.
Mesmo deixando de lado a possibilidade de combate, sair de Lisboa rumo à Índia ou ao Brasil era
uma loteria. Embarcações precárias e superlotadas, fome, doenças
e naufrágios faziam com que menos da metade dos tripulantes
chegasse ao destino. De 1497 a
1653, um em cada cinco navios
enviados à Índia se perdeu no
mar, um atestado eloquente de
quanto custou para Portugal tomar a dianteira na exploração do
resto do mundo.
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