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O grande vizinho do Norte
Alain Touraine
As eleições mexicanas parecem
satisfazer todo o mundo, como
disse Carlos Fuentes. Uma considerável maioria apoiou Vicente
Fox (do Partido da Ação Nacional, de
centro-direita), e o fim do regime do PRI
(Partido Revolucionário Institucional,
que estava no poder havia 71 anos) transcorreu em perfeita calma, graças ao presidente Ernesto Zedillo. Enfim, a capital,
Cidade do México, elegeu Lopez Obrador, que reaproximara o PRD (Partido
da Revolução Democrática, de centro-esquerda) dos movimentos populares.
Pode-se mesmo imaginar que a tendência mais conservadora e mais católica do
PAN será suplantada pelo sucesso do novo presidente.
Eis então que o México se torna uma
democracia onde as escolhas políticas
são livres. Pode-se ver nessa extraordinária novidade o resultado de uma longa
evolução, que fez do México, desde 1985
e do terremoto que provocou um grande
movimento popular contra a corrupção,
o país político mais vivo do continente.
Essa leitura politológica da recente eleição contém certamente muitas verdades.
Mas deixa na sombra certos significados de extrema importância na queda do
PRI. Pois em nenhum país do mundo
existe política puramente interior, no
México menos ainda que noutra parte, já
que o país faz parte da união econômica
do Atlântico Norte, e suas trocas comerciais com os EUA representam mais de
três quartos de seu comércio internacional. O PRI era um fiel sustentáculo da política americana, mas Fox manifesta hoje
seu desejo de incrementar ainda mais os
laços do México com os Estados Unidos.
Não basta mais falar de mercado comum; cumpre erigir relações ainda mais
diretas de integração. Será que o México
se tornará um imenso Porto Rico à medida que aumentar também o número de
seus emigrados que podem agora dispor
de dupla nacionalidade?
Compreende-se facilmente a alegria de
todos aqueles que puseram abaixo um
regime e um partido que simbolizavam a
corrupção e a brutalidade aliadas à fragilidade que se manifestou em duas crises
econômicas maiores, em 1982 e em 1994-5. Pode-se também imaginar que as vítimas estudantis e populares do massacre
de Tlatelolco em 1968 sentem-se vingadas pela queda daqueles que os mandaram fuzilar em plena Cidade do México.
Mas cabe também indagar a natureza
da mudança que se anuncia. Eleições
limpas em substituição às pressões e trucagens que distorciam as eleições? Sim, e
nesse ponto essencial, o mérito principal
toca ao presidente Zedillo, que não mobilizou a administração para fazer ganhar seu próprio partido, o PRI.
Substituição de um partido único por
uma escolha política livre? Essa afirmação é mais contestável. O PAN já governava vários Estados, e Cuauhtémoc Cárdenas fora triunfalmente eleito na Cidade do México, onde acaba de lhe suceder
o dirigente do PRD, Lopez Obrador. A
transformação do regime político, no essencial, já fora efetuada. O que é motivo
de júbilo, mas cujo crédito cabe ao PRI.
Havia já muitos anos, e em especial desde a ignominiosa queda de Salinas, que,
no entanto, suscitara enormes esperanças ao criar seu programa nacional de solidariedade, que o PRI não era mais um
partido único; muitos de seus membros
o haviam deixado, quase sempre rumo
ao PRD, mais à esquerda. Os eleitores
quiseram abater em definitivo um regime antidemocrático e corrupto. Mas talvez não resida aqui o principal sentido
do resultado de seus votos.
Em muitos países, caíram regimes provenientes de movimentos nacional-populares que se tornaram governos corruptos e ineficientes. Quem pode defender os partidos venezuelanos que Chavez
desbaratou tão facilmente? Quem pode
negar que, em suas duas primeiras eleições, Fujimori não teve em sua esquerda
um verdadeiro adversário? Quem ainda
deposita esperanças no populismo equatoriano à Bucarán? O caso da Colômbia é
bem diverso, mas todos constatam o enfraquecimento de um governo que não
controla mais grande parte de seu território e que negocia, abertamente ou não,
com grupos guerrilheiros como as Farc,
o ELN (ambos de orientação marxista) e
os grupos paramilitares.
E, ao sul do continente, o que resta no
governo de Menem do populismo peronista? Enfim, como esquecer que, no
Chile, Lagos derrotou por pouco a Lavin,
populista de direita não abertamente pinochista, mas apoiado pelo eleitorado do
ditador, e que a vitória de Lavin pareceu
mesmo provável após o primeiro turno
da eleição? A juventude masculina e feminina sustentava com mais frequência
esse candidato que os homens mais velhos, principais esteios do candidato de
esquerda.
É verdade que as ditaduras militares
caíram na América do Sul, mas os regimes nacional-populares que elas haviam
desbancado nos países hoje membros do
Mercosul ampliado não têm mais atualmente capacidade de governar. Nem sequer no Brasil, onde, no entanto, Tarso
Genro amplia a sua influência, ou em
Buenos Aires, onde Ibarra conquistou
facilmente a prefeitura. Um longo período, quase um século, chega ao fim, a contar da Revolução Mexicana, do movimento estudantil de Córdoba e da geração de 1920 no Chile.
Após uma longa fase de decomposição, será que lhe sucederá uma esquerda
mais bem organizada, dando prioridade
a grandes reformas sociais e em especial
à construção de um Estado de Bem-Estar
Social? Talvez essa orientação social-democrata seja a de Ricardo Lagos no Chile; mas não é nada certo.
Em compensação, na metade norte do
continente, por razões econômicas, mas
também políticas, é a integração ao universo norte-americano que mais claramente se manifesta. Mais do que nunca
essa região é o "backyard" (quintal) dos
Estados Unidos. Fox proclama sua vontade de reforçar os laços com os grandes
vizinhos do Norte; Chavez acrescenta a
essa tirada bolivariana um programa
econômico bastante liberal; a Argentina
"dolarizou-se" tal como outros países
menos importantes, e por toda parte a
maioria dos bons estudantes de ciências
exatas e economia forma-se nas grandes
universidades americanas.
O governo dos Estados Unidos prepara
às claras um plano geral de incorporação
de toda a América Latina a sua zona de
influência direta. E não se vê em parte alguma uma esquerda capaz de ser hoje
um partido do governo. Nem mesmo no
Uruguai, onde a Frente Ampla continua
a abrigar um esquerdismo sobre o qual
mal se concebe como pode introduzir
mudanças realistas nesse país.
Sejamos concretos. Hoje não existem
mais que duas orientações políticas na
América Latina. De um lado, uma vontade de integração ao império americano,
instigado pelo poderio econômico dos
Estados Unidos e ainda pelo pronto sucesso da intervenção do FMI e do Tesouro americano no México. De outro, o
conjunto que corresponde mais ou menos ao Mercosul e que, sob a direção
controversa de FHC, se esforça por inventar uma política de centro-direita que
representa, de fato, o que há de mais centro-esquerda no continente. Uma grande parte da população não se sente mais
representada. Outra ainda maior prefere
estar sob o domínio de um sistema econômico impessoal mundial a submeter-se a um governo nacional.
Que distância entre as intenções dos
eleitores e o sentido provável das eleições! Os intelectuais não logram preencher o imenso vazio que se criou entre as
duas orientações. No México, intelectuais de esquerda apoiaram ativamente
Fox, a exemplo de Jorge Castañeda, impaciente com o desaparecimento de uma
esquerda tagarela e decomposta; outros,
como Carlos Fuentes, julgam necessária
e positiva uma mudança, da qual, porém, temem as consequências.
E aqueles que ainda defendem a velha
ideologia, em especial nas guerrilhas colombianas ou guatemaltecas, só fazem
abrir caminho aos poderosos movimentos de integração pró-americana que
proliferam. Os raros focos de movimento social, como os grupos indígenas de
Chiapas, do Equador, da Guatemala, da
Bolívia ou do sul do Chile estão hoje mais
fracos que ontem. Que aqueles que atacam violentamente Cardoso, Battle, De
La Rúa ou Lagos nos indiquem quais outras forças políticas podem limitar ou
suster o avanço triunfante dos Estados
Unidos em todos os continentes.
Alain Touraine é sociólogo, diretor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris) e autor
de, entre outros, "A Crítica da Modernidade" (Editora Vozes).
Tradução de José Marcos Macedo.
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