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PONTO DE FUGA
Pintor da noite
JORGE COLI
especial para a Folha
Há muito não tínhamos uma
exposição de tal importância.
A vinda de duas obras de Caravaggio ao Brasil (Museu de Arte de São Paulo) é um acontecimento maior. Ele é acrescido
de um conjunto de âmbito caravaggesco, quase totalmente
derivado das fabulosas coleções do Palazzo Barberini, de
Roma, mais suntuosos Valentin e Régnier do Museu do Louvre. Está ali o diálogo de Caravaggio com o mundo da arte
romana do seu tempo, com
Orazio e Artemisia, está ali sua
descendência artística. Pai de
uma arte nova, ele reinventou
a pintura.
Abandonou a representação
perspectiva para explorar a escuridão. Os objetos e os seres
não se encontram mais num
mundo que os antecede e que o
Renascimento havia regulado
pela geometria: eles emergem à
existência por meio da luz, propulsados pelas forças do obscuro. Tudo se torna sintético, poderoso, por vezes violento, golpeando o espectador. Os temas
aristocráticos são abolidos e é o
populacho que irrompe aos
nossos olhos num heroísmo
misterioso e inédito. Alguns estudiosos, escravizados às classificações, excluem Caravaggio
daquilo que se convencionou
chamar barroco. Em verdade,
ele criou novas e essenciais sensibilidades, determinantes para esse mesmo barroco. O alcance de suas novidades foi
enorme -sem ele, não existiria a arte imensa de La Tour,
Rembrandt ou Zurbarán.
BRUMAS - Caravaggio teve
uma multidão de seguidores
que os especialistas tentam distinguir uns dos outros -e às
vezes do próprio Caravaggio. É
frustrante desconhecer o autor
de uma obra-prima da mostra
do Masp, o "Pescador Que Limpa uma Arraia", mas, por outro
lado, diante da dança das opiniões, pode-se desconfiar de
atribuições nítidas. As flutuações no catálogo de Caravaggio
não cessam, como testemunham suas duas obras hoje em
São Paulo. "Il bari", do museu
de Fort Worth, só muito recentemente foi reconhecida como
o protótipo autêntico de muitas cópias e versões diversas. O
"Narciso", uma das imagens
mais célebres de toda a história
da arte, nunca reuniu uma
unanimidade sobre sua autoria. Apesar de assolada por restauradores através dos séculos,
ela guarda uma beleza poética
tão expressiva e tão alta, que
repõe as minuciosas discussões
eruditas dentro de seus limites
reduzidos.
BELA DONNA - Difícil dizer
o que seja pior: a direção, a
adaptação do romance, a negligência na reconstituição de
época, o massacre na música de
Villa-Lobos ou os cabelos do
ator (?) Eduardo Moscovis. Porém a beleza e a intensidade de
Natasha Henstridge ("Experiência 1 e 2") sobressaem nesse
deserto, demonstrando que ela
merece mais do que ser vítima
de alienígenas tarados ou de
maus filmes brasileiros.
MINHOCAS - "Godzilla"
vai terminando sua carreira em
nossas telas. Não foi muito
amado pelo público e bem
pouco pela crítica. Mas criou
uma Nova York noturna, deserta, onírica, invadida por um
animal desmedido e faminto,
que termina aprisionado nos
cabos da ponte do Brooklin,
esses mesmos cabos que John
Cage considerava a maior das
harpas eólias.
Jorge Coli é historiador da arte
E-mail: coli20@hotmail.com
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