São Paulo, sábado, 03 de julho de 2010

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ROBERTO RODRIGUES

A terra é nossa


É correto estabelecer regras claras para compra de terras por estrangeiros, sem proibi-la


DE VEZ em quando volta à baila um tema bastante polêmico no campo: a compra de terras por estrangeiros.
Entre os argumentos contrários a isso, fala-se que o Brasil "correria o risco" de ter seu território desnacionalizado, dados os elevados investimentos em milhares de hectares, principalmente na Amazônia; que o objetivo do comprador estrangeiro seria apenas o lucro imobiliário, e a terra seria uma reserva de valor; e que alguns investimentos seriam destinados à produção de alimentos para exportação aos países de origem do capital, para garantir abastecimento barato a seu povo.
Todos esses temas devem ser considerados à luz de uma realidade reconhecida mundialmente: a produção de alimentos terá que aumentar 70% até 2050, em razão do crescimento da população e de sua renda.
E o Brasil é um dos poucos países que têm terra disponível, a melhor tecnologia tropical do planeta e ainda oferece a agroenergia como uma ótima estratégia para mitigação do aquecimento global.
Essa sustentabilidade do nosso setor rural atrai fundos de pensão, fundos de investimento, "private equities" (participação acionária) de todos os quadrantes para lucrar com a valorização eventual dos produtos agrícolas num cenário de demanda explosiva. E também para ganhar dinheiro com a valorização do imóvel, o que só acontece se a terra for trabalhada.
Por outro lado, nosso extraordinário potencial de aumentar a produção agropecuária e conquistar mercados está ameaçado pela falta de capital nacional e pela falta de estratégia, de infraestrutura e de renda rural.
Portanto, a vinda desses capitais externos ajudaria o salto brasileiro no cenário mundial, gerando milhares de empregos no país, aumentando sua riqueza, criando excedentes exportáveis, melhorando a logística, agregando valor (porque muitos investimentos são feitos na área industrial). A terra não vai embora daqui, as máquinas, as sementes, os corretivos, os fertilizantes, os equipamentos serão comprados aqui, multiplicando as atividades nas cadeias produtivas.
Os investidores estrangeiros serão aliados na tarefa de reduzir o protecionismo lá fora. Portanto, há reais razões para ver com boa vontade esses investimentos, até porque eles produzem forte desenvolvimento nas áreas de fronteira onde se instalam, com boa governança e tecnologia.
Mesmo assim, é correto estabelecer regras claras para a compra de terras por estrangeiros, sem proibi-la.
Em primeiro lugar, já está determinado que só compra terra aqui quem se organiza como empresa brasileira, mesmo que com aporte majoritário de capital estrangeiro.
As terras compradas em área ainda coberta por vegetação nativa ou com pastagem degradada devem ter um projeto claro de exploração, que objetiva o progresso planejado (e executado) do uso de terra, sob condições técnicas aprovadas por órgãos de pesquisa, gerando o número de empregos compatível com a plantação escolhida, obedecendo a toda a legislação vigente, com o preço dos produtos aí gerados estabelecidos de acordo com o mercado, e assim por diante.
Com isso se evitará a ideia de só ganhar com a valorização da terra.
É claro que ela vai se valorizar com o fato de se transformar em área produtiva devidamente beneficiada, o que também acontece com os investidores nacionais. Outro tema importante é a reciprocidade: devemos aproveitar para pressionar países que criam empecilhos para o agronegócio brasileiro, seja no acesso a mercados, seja na aquisição de terras lá.
E o governo sempre terá mecanismos tributários, fiscais, creditícios e estimulantes para que os investimentos sejam positivos para o Brasil e para o povo brasileiro. Ou pode desapropriar a terra improdutiva para fazer reforma agrária.
Vivemos hoje, como se diz , na aldeia global. Não há mais espaço para xenofobia. Mas há para boas normas, sem ideologia e sem candidez.

ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp -Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

rr.cers@uol.com.br



AMANHÃ EM MERCADO:
KEVIN BROWN



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