São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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Arquitetura

Sem fronteiras

Profissionais brasileiros aproveitam a "moda Brasil" que percorreu o mundo e cavam espaço para desenvolver projetos arquitetônicos no exterior

por JONI ANDERSON e MAURICIO SACRAMENTO

Não há caixote de madeira com carimbo nem etiqueta informando a procedência "Made in Brazil". Mas o país está por trás -ou à frente- de lojas em Tóquio ou Paris; de um condomínio de Cidade do Cabo (África do Sul), de restaurantes de Portugal e edifícios de Luanda, em Angola. São obras "made by" arquitetos brasileiros disputando a duras penas o concorridíssimo mercado externo.

"Como referência mundial, a arquitetura brasileira aconteceu há 40 anos. Nos últimos dez, ela começou a ser retomada de maneira mais autoral. Mas é diferente do período Niemeyer", lembra o arquiteto Arthur Casas, um dos nomes mais conhecidos da nova geração de profissionais, que mantém escritórios em São Paulo e Nova York.

Os primeiros casos de profissionais cavando projetos no exterior surgiram a partir do final dos anos 90 e vêm avançando, a maioria abençoada com um empurrãozinho inicial: a influência de conterrâneos que vivem no exterior é quase sempre determinante para alcançar o território internacional. Ou porque esses migrantes (boa parte empresários, inclusive estrangeiros, que alternam residência no Brasil e no exterior) não se adaptam às soluções oferecidas pelos profissionais locais, ou porque querem cultivar lá o "estilo de vida" tupiniquim. Além, claro, do fato de os brasileiros oferecerem preços bastante competitivos.

"Nosso primeiro trabalho fora do país foi de decoração, no final dos anos 1990, em Nova York. Hoje, a vertente de projetos residenciais e comerciais se igualou à da decoração", conta Fábio Porto, arquiteto paulista que vive em Salvador, onde se associou a David Bastos, Rita Monteiro e Adriano Mascarenhas na DB Arquitetos. A obra mais recente foi o restaurante Qua-renta e Quatro, em Matosi-nhos, região próxima à Cida-de do Porto, em Portugal. Outro destaque é um residencial luxuoso, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O enredo se repete. "Co-meçamos com a reforma de uma cobertura para uma família de anglo-brasileiros, porque os arquitetos locais não conseguiram apresentar solução que relacionasse os ambientes com o telhado", conta Alexandre Monteiro, carioca que divide com Paula Neder um escritório no Rio de Janeiro. "Talvez por influência do modernismo brasileiro, nós geralmente temos mais facilidade para projetar espaços com curvas e telhados com águas muitas vezes irregulares. Do barroco, usamos os produtos naturais, granitos e azulejos. Isso dá à nossa arquitetura uma linguagem universal, sintonizada com o moderno do mundo, mas que só pode ser feita aqui", explica.

Uma brasileira foi também o passaporte para a arquiteta Clélia Ângelo. "Ela não se adaptou ao estilo rebuscado do profissional norte-americano, queria algo mais 'clean' na reforma do apartamento de verão em Miami", conta.

Apesar de novata no mercado norte-americano, Clélia já teve experiência nos arredores de Milão, onde, no ano 2000, projetou um três-dormitórios para um executivo brasileiro. Atualmente, estão em estudo um projeto de uma amiga que acaba de adquirir uma casa em Sierre, Suíça, e de um cliente árabe residente no Brasil, que pretende reformar sua casa no Líbano. Tudo isso feito daqui, com visitas sempre que possível.

Entre os que plantam os pés aqui, mas mantêm os olhos no horizonte, figura a paulistana Débora Aguiar. Sob o seu comando, uma equipe de 50 profissionais desenvolve e acompanha projetos nos EUA, na África do Sul e na Argen-tina e faz pesquisas para empreendimentos em cidades bem distantes entre si, como Buenos Aires (Argentina), Montreal (Canadá), Luanda e Dubai.

Débora faz desde a decoração de estandes de venda até o desenvolvimento de prédios corporativos. "Fico pouco fora do país, e quando viajo sou muito objetiva. Ainda não senti a necessidade de ter um escritório fora. Faço videoconferências, uso a internet, mando contêineres. A globalização é um fator sem volta, e São Paulo já está inserida no contexto global; é uma vitrine para o mundo."

Atualmente, o projeto que mais lhe consome tempo é um conjunto de edifícios de seis andares e alto padrão, de frente para o mar de Palm Beach, Flórida (EUA), encomendado por um estrategista norte-americano em parceria com um investidor local, que gostaram do seu trabalho em uma mostra de decoração carioca. Para Débora, ainda é cedo para falar num estilo arquitetônico tipicamente brasileiro, mas algumas características fazem parte do DNA do atual estágio da arquitetura nacional.

"Temos mão-de-obra mais barata, profissionais fantásticos, criativos e que cedem mais. Ou seja, temos jogo de cintura e buscamos soluções no melhor prazo. Além do mais, os projetos têm começo, meio e fim bem definidos", acha.

Trabalhos executados em países estrangeiros atualmente representam cerca de 30% em volume e também em faturamento na Débora Aguiar Arquitetos Associados, o suficiente para alavancar o crescimento da empresa, que acaba de se mudar do Itaim Bibi para uma casa ampla de 1.400 m2 cravada nos Jardins.

Arthur de Mattos Casas diz que já confiava em algumas características brasileiras como diferencial da arquitetura e decoração no exterior. "Lá fora, onde se adota material sintético, utilizo muitos produtos naturais, como a juta, que tem a cara do Brasil, e os pigmentos naturais. É algo bastante sutil, mas também é uma forma de identificar o país." O apelo ecológico, uma de suas bandeiras antigas, agora rende mais clientes. Matérias-primas importadas daqui integram boa parte de seus projetos internacionais. "O Brasil tem essa cara ecológica que os gringos gostam".

Reconhecido por trabalhos no Brasil, Casas conta por que preferiu arriscar o anonimato em outra grande metrópole. "Era 1999, eu vivia limitado pelas imposições do mercado interno. Há dez anos, todo mundo só queria saber de ambientes clássicos, clássicos, clássicos...", lembra.

Para se adaptar a Nova York, cidade que escolheu para abrir seu escritório, fez mudanças que incluíram a eliminação de um dos seus nomes. "Acharam que eu tinha recorrido à numerologia. Nada disso. Eliminei o 'de Mattos' para facilitar a pronuncia americana".

E por quê Nova York? "Ado-ro a cidade, mas também tem um aspecto prático: é só uma hora de fuso horário; há uma infinidade de vôos diários e não se é segregado por ser brasileiro, como acontece em Paris ou Barcelona por exemplo." Não que na metrópole americana seja exatamente fácil: "Quem abre caminhos é a necessidade: pego metrô, visito clientes com portfólio embaixo do braço. As pessoas pensam que é glamour, mas a verdade é que é um ralo terrível, porque a competição é mundial."

Atualmente, o arquiteto se reveza entre o escritório no bairro do Pacaembu e o endereço nova-iorquino, responsável por 30% dos trabalhos e 40% do faturamento. Sua rotina inclui pelo menos uma viagem por mês e constantes videoconferências, e-mails e ligações internacionais. A equipe que mantém nos EUA em sistema de "partnership' (parceria) tem dez profissionais americanos e um brasileiro. Com essa infra-estrutura, atende pedidos no mundo inteiro. É dele a assinatura de lojas badaladas como a do estilista Alexandre Herchcovitch em Tóquio (citada na abertura deste texto) e a da Natura em Paris.

Outro fator já bem conhecido tem dado impulso à internacionalização da arquitetura brasileira: a globalização. "Acho que, nos últimos anos, essa arquitetura nova brasileira tem sido bem divulgada em revistas no exterior" opina o paulistano Marcio Kogan, ele mesmo freqüentemente selecionado para essas publicações. Efeito da "moda Brasil" que contagiou o mundo, acha. Kogan, no entanto, é enfático ao afirmar que o desempenho nacional não tem relação com uma suposta "brasilidade".

"As revistas especializadas internacionais procuraram o modelo brasileiro como algo novo em relação ao que acontecia na Europa. É uma globalização de todo um sistema, uma empatia com seu trabalho. Pode ser que haja, sutilmente, uma marca, mas as pessoas não lêem isso de uma forma tão direta", acredita.

Seu mais recente projeto internacional é uma casa-protótipo a ser erguida perto de Santander, no litoral da Espanha. Inteligente, com controle de iluminação e segurança e esquema construtivo dinâmico, "sem ser espartana", a casa de 800 m2 segue a linha de espaços gritantes de Kogan, como uma sala com pé-direito duplo e vidros automatizados que valorizam a vista.

Baseado no Brasil, o arquiteto não esconde o segredo para manter seus trabalhos no exterior: "Com a facilidade de comunicação, pelo skype ou e-mail você troca arquivos e mantém todo o contato necessário on-line".

O primeiro passo que um brasileiro deve seguir para poder atuar como arquiteto em outros países é buscar registro em organizações locais. Formada em São Paulo, a brasileira Marina Loeb fez mestrado na Architectural Association Design Research Laboratory (Londres), antes de bater na porta do britânico Norman Foster.

"Meu diploma brasileiro não era válido no Reino Unido enquanto trabalhava com Foster", conta. "Mas, com o mestrado e meu currículo, pedi reconhecimento como arquiteta na Architecture Registration Board", o órgão regulador local da profissão, cujo registro é reconhecido em toda a União Européia.

Já para trabalhar nos EUA, é necessário obter um certificado emitido pelo NCARB, sigla em inglês para Conse-lho Nacional de Registros Arquitetônicos. Austrália, países da Ásia e África possuem seus próprios, cabendo atentar à legislação de cada um.

De posse do registro, com visto de trabalho em dia, os passos seguintes são parecidos com os necessários no Brasil: abrir sua empresa e exercitar seus contatos. "Do ponto de vista legal é muito simples", conta Marina. "Sou a diretora e tenho uma secretária que cuida do que for necessário. Agora estou no Brasil, mas tenho colegas do mestrado que estão prontos para formar um grupo de trabalho. Às vezes até mesmo on-line", ressalta.

No estrangeiro, o "jeitinho brasileiro" não funciona, é tudo muito profissional. "Todo o processo arquitetônico lá é regulamentado pela ARB, que protege e enrijece um pouco o sistema, garantindo prazos para cada um dos profissionais envolvidos", avisa Marina. "O brasileiro, no entanto, possui uma vibração e maleabilidade que ajudam a agilizar processos burocráticos", acha. Casas é mais pragmático: "O brasileiro tem menos medo de errar; é mais corajoso ao projetar e consegue atingir um mix de estilos com mais jogo de cintura e bossa".

Para Débora Aguiar, até o atual momento de crise no mercado imobiliário norte-americano é propício. "Antiga-mente, os americanos não precisavam se esforçar muito, porque tinham dinheiro e muita gente que comprava. Agora, com a crise, começaram a acordar para a necessidade da criatividade como fator de venda. Nossas propostas são muito diferentes de tudo o que vínhamos fazendo. É o momento de quebrar paradigmas."

Pelo mundo

Alexandre Monteiro e Paula Neder
Estados Unidos (Nova York) - Reforma de apartamento de dois quartos de jovem executivo Inglaterra (Londres) - Reforma de apartamento em área próxima ao Hide Park para um casal com quatro filhos França (Paris) - Reforma de uma cobertura no Boulevard Saint Germain, transformada em loft

Arthur Casas
Estados Unidos - Restaurante do Chef Marcus Samuelson (Chicago) - Bar do hotel Afinia (Nova York) - Construção de casa de 1.200 m2 em Hutington (Nova York) - Apartamento de 350 m2 no 54º andar da Rua 57 (Nova York) - Cobertura de 300 m2 na Rua 36 com a 3ª Avenida (Nova York) França (Paris) - Loja da Natura - Cobertura de 450 m2 na Vie Montaigne Japão (Tóquio) - Loja de Alexandre Herchcovitch

Bruno Padovano
China (Cixi) - Projeto paisagístico para o Parque Aquático de Snow Creek (Shenyang) - Projeto paisagístico da Praça Cívica (Shifu Square) (Taizhou) - Projeto paisagístico para a Praça Kaiyuan - Projeto paisagístico para o Parque da Montanha Baiyun

DB Arquitetos
Portugal (Matosinhos) - Restaurante Quarenta e Quatro Emirados Árabes Unidos (Dubai) - Residencial em Palm Island

Clélia R. Ângelo
Estados Unidos (Miami) - Reforma e decoração de um apartamento de três dormitórios no bairro Ventura Suíça (Sierre) - Projeto de uma casa a ser construída no próximo ano para um casal suíço-brasileiro Itália (Milão) - Reforma de um loft de 90 m2 no bairro Quarto Oggiaro

Débora Aguiar
Estados Unidos (Las Vegas) - Condomínio misto, envolvendo projetos residenciais, apart-hotéis e hotéis. Engloba o "máster plan" de todo o complexo, fachadas, concepção de estilo e desenvolvimento de conceito (Miami) - Desenvolvimento de condomínio em Palm Beach I, incluindo de fachadas e definição de plantas ao paisagismo África (Angola) - Conceito do empreendimento de casas de alto padrão de um condomínio residencial em Luanda - Rede de cafés e restaurantes em Dubai (Emirados Árabaes), Madri (Espanha) , Mon-treal (Canadá) e Cape Town (África do Sul). Envolve a criação de estilo e conceito para a marca, padronização e design especial de mobiliário e iluminação

Márcio Kogan
Espanha (Suances) - Protótipo de residência projetada utilizando esquema construtivo inteligente, com controle de iluminação e segurança, reaproveitamento de luz, água e geotermia Chile (Santiago) - Residência projetada para um casal de chilenos

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