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Análise

Diplomacia não morreu no conflito sírio, mas está hibernando

Muitos olharão para trás e vão constatar o alto custo de não terem dado respaldo à ação de Kofi Annan

CHRIS DOYLE
DO “GUARDIAN”

A renúncia de Kofi Annan como enviado especial das Nações Unidas e da Liga Árabe à Síria, na última quinta-feira, surpreende apenas pelo fato de ele ter permanecido tanto tempo na função.

Desde que foi nomeado, em fevereiro, Annan foi encarregado de lidar com uma crise que poucas partes querem ver resolvida de modo pacífico. As declarações que deu ao renunciar foram devastadoras: "Como enviado, não posso querer a paz mais do que a querem os protagonistas, mais do que o Conselho de Segurança ou a própria comunidade internacional".

O plano de paz em seis pontos traçado por Annan estava longe de ser falho, mas dependia de que todas as partes agissem de boa-fé em sua implementação. Por alguns dias em abril, um cessar-fogo levou a uma redução importante na violência, mas isso não durou muito.

Uma missão de 300 observadores da ONU demorou a ser enviada, e foi pequena demais para um país com as dimensões da Síria. Se a ONU encarasse a questão a sério, haveria entre 3.000 e 5.000 observadores, respaldados por uma equipe grande de mediadores especializados.

A missão de Annan realmente conseguiu obter acesso limitado a jornalistas na Síria e ajudou grupos oposicionistas sírios a ganharem credibilidade. Mas muitos na oposição síria deram apoio morno, quando muito, à sua missão, na medida em que ainda buscavam a intervenção estrangeira -que não se concretizou e que enxergavam como sendo a única maneira de derrubar Assad.

A comunidade internacional vem tentando administrar esse conflito, e não resolvê-lo, subestimando sua gravidade para a paz e a segurança regionais. O que é pior: alguns alimentaram as tensões ativamente, ao mesmo tempo em que fingiam apoiar a missão de Annan.

Rússia e Irã vêm armando e financiando o regime de Assad. Arábia Saudita e Qatar já declararam que financiariam a oposição armada. Em Genebra, em junho, Annan conseguiu convencer russos e chineses a concordar com um plano de transição para a Síria. Mas, inacreditavelmente, foi deixado sozinho para levar o trabalho adiante.

A realidade com a ONU é que sua eficácia sempre é dependente do consenso de seus membros-chaves. No caso da Síria, a comunidade internacional continua profundamente dividida.

Rússia e China temem a intervenção ocidental. Os EUA e as potências da UE não querem ser arrastados para essa questão. As potências regionais do Oriente Médio estão, cada vez mais, travando uma disputa por território na Síria, como fizeram no Líbano durante a guerra civil que durou 15 anos nesse país. Foram essas divisões que permitiram ao regime de Assad manipular a missão da ONU.

A diplomacia não está morta, mas está hibernando. Uma intervenção em grande escala ainda é pouco provável, e nenhuma grande potência está com pressa de se envolver.

A saída de Annan terá pouco impacto sobre um regime hoje preocupado exclusivamente em esmagar o levante armado, usando de todos os meios possíveis. A violência e destruição na Síria vão se intensificar, e as diversas partes e seus apoiadores externos vão se enfrentar.

O perigo é que os combatentes remanescentes enfim se sentem à mesa para negociar só quando não restar mais muito o que disputar. Quando o fizerem, muitos olharão para trás e se assombrarão ao constatar o custo humano e físico de não terem respaldado a ação de Annan.

Tradução de CLARA ALLAIN

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